terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Um Agosto em Itália

Passear por S. Marcos
Borboleteei por ali, a impressionar na extinção do dia. A essa hora mágica dos pequenos desvarios e saudades, os restaurantes iluminavam as esplanadas e havia  cristais de brilho a reflectir. Antes das mesas, as orquestras (não eram orquestras, limitavam-se a quatro a cinco elementos) iniciavam trabalho afinando instrumentos e lançavam queixas contundentes em notas desgarradas; sem eco, esvaneciam solitárias, um gritinho de pauta a prolongar, uiiii!. Empertigados  e  rigorosos, os empregados atendiam os primeiros clientes e quase lhes esperei um sapatear ritmado com a bandeja. Porém, apenas observei a solicitude fardada e um quê de sobranceria na mirada ao público, não chegas cá; aqui, não há chão para os teus pés, desanda. Numa mesa, um casal de mão dada degustava do lugar. Selectos. Nem um grão de pó lhes perturbava o visual. A música, sintonizados os instrumentos, ia passeando por ali em passinhos pequenos, os violinos um adoçante sorvendo a noite. Enjoada de perfeição, fui espreitar o Palácio dos Doges. E aí me surgiu – como é que ainda não o notara?! – um caminho de infinito. Ou de infinita contemplação. Ou assim, apenas por gostá-lo desmedida(mente). Sim, o interior do palácio deve ser bonito; o exterior é um espanto, com sua ligação directa à Catedral. Mas não se descreve a beleza de caminhar entre as duas estátuas – o leão de S. Marcos e o arcanjo Miguel - até à beira do canal. Podem ter sido subtilezas de brisa, artifícios da iluminação nocturna, delicadezas sufragadas no corpo adormecido das gôndolas, mistérios escuros da água. Sei apenas que alheei. Diluí. Nessa hora sobrou de mim o que resta ao eremita que jejua no deserto:pó, cinza, nada. Porém, um nada de gratidão e alegria que bendizem o jejum.

            Nessa noite, jantámos tarde e o cansaço pesava-nos. Mas tão leve era a alma de regresso que nada sei do caminho. Teremos voado até casa?!

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