Passear
por S. Marcos
Borboleteei
por ali, a impressionar na extinção do dia. A essa hora mágica dos pequenos
desvarios e saudades, os restaurantes iluminavam as esplanadas e havia cristais de brilho a reflectir. Antes das mesas, as orquestras (não eram orquestras, limitavam-se a quatro a cinco elementos) iniciavam trabalho afinando instrumentos e
lançavam queixas contundentes em notas desgarradas; sem eco, esvaneciam solitárias,
um gritinho de pauta a prolongar, uiiii!. Empertigados e rigorosos, os empregados atendiam os primeiros
clientes e quase lhes esperei um sapatear ritmado com a bandeja. Porém, apenas observei
a solicitude fardada e um quê de sobranceria na mirada ao público, não chegas
cá; aqui, não há chão para os teus pés, desanda. Numa mesa, um casal de mão
dada degustava do lugar. Selectos. Nem um grão de pó lhes perturbava o visual.
A música, sintonizados os instrumentos, ia passeando por ali em passinhos
pequenos, os violinos um adoçante sorvendo a noite. Enjoada de perfeição, fui
espreitar o Palácio dos Doges. E aí me surgiu – como é que ainda não o notara?!
– um caminho de infinito. Ou de infinita contemplação. Ou assim, apenas por
gostá-lo desmedida(mente). Sim, o interior do palácio deve ser bonito; o
exterior é um espanto, com sua ligação directa à Catedral. Mas não se descreve
a beleza de caminhar entre as duas estátuas – o leão de S. Marcos e o arcanjo
Miguel - até à beira do canal. Podem ter sido subtilezas de brisa, artifícios
da iluminação nocturna, delicadezas sufragadas no corpo adormecido das gôndolas,
mistérios escuros da água. Sei apenas que alheei. Diluí. Nessa hora sobrou de
mim o que resta ao eremita que jejua no deserto:pó, cinza, nada. Porém, um nada
de gratidão e alegria que bendizem o jejum.
Nessa noite, jantámos tarde e o
cansaço pesava-nos. Mas tão leve era a alma de regresso que nada sei do
caminho. Teremos voado até casa?!
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