quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Cartas, Cartões e O Mais que me lembre

Fora das prendas que dou e me são agradáveis, creio nos natais. E a experiência confirma, alguma coisa de bom me acontece durante a quadra.  Este ano bem espreitei o carteiro, mas já ninguém quer escrever duas linhas assinadas,  e breve as substitui (ou nem isso)  por sms ou telefonema, prestes e eficazes meios de comunicação que  não exigem sair de casa, comprar a carta ou o cartão e o envelope com ou sem selo (o correio azul prescinde), escrever e ir pôr no marco do correio (à antiga, pois). Ganha-se tempo. Mas que fazemos com esses bocados de vida? Ficamos frente ao écran horas esquecidas, conversamos mais ao telefone, de varanda a varanda, no café e etc. Ou trabalhamos mais. Permito-me duvidar que qualquer dessas actividades valha ou sequer impeça umas palavritas num papel com a nossa assinatura, tudo endereçado a quem gostamos. Mas tenho de reconhecer, perdemos o gosto ao rasto. Ora os sinais importam, são marcas de caminho. E aos homens não basta andá-lo, têm que se deixar nele. É bem certo que a precariedade governa o mundo, mas telefonemas, sms e outras mensagens virtuais perdem força logo na imediatez, não são de lembrar. E depois, acontecem em catadupa. Numa   constância banal. Cartas é outro ofício. A carta reserva-se uma intimidade púdica e atractiva e cada uma vale por si. Traz os desenhos personalizados do alfabeto e a forma subjectiva da sua organização, sempre  a remeter para. Diz, sem voz haver. No tempo que nos coube, a carta é um flagrante delicado. E nenhuma forma de comunicação  – das tantas que existem -  me surge mais impressiva e durável.  Bem restrito e sigiloso, quer ser aberta e lida, mas só pelo destinatário. Há uma certa beleza nisto de escrever com o próprio punho para alguém ler. Não um alguém qualquer, mas este homem, aquela mulher, a criança x ou y. Hoje, cartas e cartões são inestimável presente.
            Este Natal não tive correio, a caixa vazia. Que é como quem diz, amuada - a inchar -  de grossos alvoroços de propaganda. A amiga que se me enviava dentro de um envelope, voou para outra dimensão. Nunca mais alguém se comove de alegria por me ler (garantia-me que se portava assim a cada leitura e sei que é verdade, tremia-lhe a voz  a contar-me; guardo-lhe uma enorme dívida terna e uma amizade irreprimível). É assim mesmo, há dias e vezes em que a vida perde cor. E depois fica a faltar-nos humanidade.
             Mas o mundo ainda surpreende. Certa manhã próxima à natividade, enquanto comprava uma prenda, a garota da secção de embrulhos cresceu e fez-se pessoa de repente. Naquela maquinal monotonia de cada um a ocupar a sua posição numa livraria apinhada, pousou-me uns olhos alegres, abriu um sorriso limpo e desvanecido que estendeu à capa do livro que eu lhe tinha passado e num contentamento de amor extravasado, enquanto agilizava dobras de papel ao redor a aconchegá-lo, “eu também já comprei este livro para a minha mãe, ela vai adorar a prenda de Natal – e a descansar os meus receios, um dedo de fita cola a suspender o cartão de...para... -;  na minha opinião fez uma boa compra”.   Deixei-me abraçar por  aquele entusiasmo-relâmpago em gozo antecipado; era por certo uma estudante requisitada para os embrulhos, não usava farda e desenfiava do estigma profissional.

 Aquele desabafo foi o meu sinal. Não sei bem de quê, mas foi. Reinstalou-me na humanidade. Deu-me confiança.

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