Fora
das prendas que dou e me são agradáveis, creio nos natais. E a experiência confirma, alguma coisa de bom me acontece durante a quadra. Este ano bem espreitei o carteiro, mas já ninguém quer escrever duas linhas assinadas,
e breve as substitui (ou nem isso) por sms ou telefonema, prestes e eficazes meios de comunicação que não exigem sair de casa, comprar a carta ou o
cartão e o envelope com ou sem selo (o correio azul prescinde), escrever e ir
pôr no marco do correio (à antiga, pois). Ganha-se tempo. Mas que fazemos com esses bocados de vida?
Ficamos frente ao écran horas esquecidas, conversamos mais ao telefone, de
varanda a varanda, no café e etc. Ou trabalhamos mais. Permito-me duvidar que qualquer dessas
actividades valha ou sequer impeça umas palavritas num papel com a nossa assinatura, tudo endereçado a quem
gostamos. Mas tenho de reconhecer, perdemos o gosto ao rasto. Ora os sinais
importam, são marcas de caminho. E aos homens não basta andá-lo, têm que se
deixar nele. É bem certo que a precariedade governa o mundo, mas telefonemas,
sms e outras mensagens virtuais perdem força logo na imediatez, não são de
lembrar. E depois, acontecem em catadupa. Numa constância
banal. Cartas é outro ofício. A carta reserva-se uma intimidade púdica e
atractiva e cada uma vale por si. Traz os desenhos personalizados do alfabeto e
a forma subjectiva da sua organização, sempre a remeter para. Diz, sem voz haver. No tempo
que nos coube, a carta é um flagrante delicado. E nenhuma forma de comunicação – das tantas que existem - me surge mais impressiva e durável. Bem restrito e sigiloso, quer ser aberta e
lida, mas só pelo destinatário. Há uma certa beleza nisto de escrever com o
próprio punho para alguém ler. Não um alguém qualquer, mas este homem, aquela
mulher, a criança x ou y. Hoje, cartas e cartões são inestimável presente.
Este Natal não tive correio, a caixa vazia. Que é como quem diz, amuada - a inchar - de grossos alvoroços de propaganda. A
amiga que se me enviava dentro de um envelope, voou para outra dimensão. Nunca mais alguém se comove de alegria por me ler (garantia-me que se portava assim a cada leitura e sei que é verdade, tremia-lhe a voz a contar-me; guardo-lhe uma enorme
dívida terna e uma amizade irreprimível). É assim mesmo, há dias e vezes em
que a vida perde cor. E depois fica a faltar-nos humanidade.
Mas o mundo ainda surpreende. Certa
manhã próxima à natividade, enquanto comprava uma prenda, a garota da secção de
embrulhos cresceu e fez-se pessoa de repente. Naquela maquinal monotonia de cada um a ocupar a sua posição numa livraria apinhada, pousou-me uns olhos alegres, abriu
um sorriso limpo e desvanecido que estendeu à capa do livro que eu lhe tinha
passado e num contentamento de amor extravasado, enquanto agilizava dobras de papel ao redor a aconchegá-lo, “eu também já comprei este
livro para a minha mãe, ela vai adorar a prenda de Natal – e a descansar os
meus receios, um dedo de fita cola a suspender o cartão de...para... -; na minha opinião fez uma
boa compra”. Deixei-me abraçar por aquele entusiasmo-relâmpago em gozo antecipado;
era por certo uma estudante requisitada para os embrulhos, não usava farda e
desenfiava do estigma profissional.
Aquele desabafo foi o meu sinal. Não sei bem de
quê, mas foi. Reinstalou-me na humanidade. Deu-me confiança.
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