domingo, 3 de janeiro de 2016

Conto de Natal

À medida que vencíamos caminho o nevoeiro ia tomando conta da estrada, primeiro  em névoa  ligeira como se a visão das coisas estivesse meia desfocada, depois em bancos densos mas ainda dispersos que nos imergiam dentro de uma nuvem de gotas húmidas de onde recuperávamos a acelerar para ganhar tempo até que novo banco nos submergia. A eloquência do meu companheiro no relógio do carro balançava pressas interiores e vagares de motor. Observei-o e notei-lhe uma réstea de esperança a avivar no meio da tristeza de semblante. A essa altura da viagem, o risco já nos tinha irmanado e soltei naturalmente, trata-se de uma mulher, não é? Ele bateu pestanas e não acrescentou. Mas eu tomara-me de simpatias pelo moço e acrescentei, é mulher ou namorada?. Então ele virou-me os olhos e disse meio coíbido, as duas coisas – e acrescentou numa  voz de repente lisa -  tudo que eu sou de bom vive naquela mulher. E de repente, como quem desata o nó de um saco fechado há tempo demais, não conhecemos padre nem igreja, mas juro por Deus quem nem isso importa; prometemo-nos um ao outro e coisa mais sagrada não há - e ficámos os dois muito atentos ao resfolegar do motor e ao écran que os faróis abriam na paisagem logo engolida na escuridão.
Entre o lugar de Águas de Moura e a estação de caminho de ferro começou a esmiuçar veredas e caminhos e  pediu-me para abrandar. Posso levá-lo até à porta, disse eu. Mas declinou, é melhor para si e para mim que me deixe na estrada e não saiba mais. E depois, a constatar a evidência, mirando as mãos vazias, não lhe levo nada, nem uma flor da beira dos caminhos. Sem saber que dizer, parei o carro onde me indicou e estendi-lhe a mão que ele apertou com força e um obrigada veemente. Fechou a porta e começou a afastar-se. Saí do carro muito à pressa, espere, tenho uma coisa para si. Tirei do bolso um embrulhinho, aceite por favor; dê-lho. Vocês merecem -. Voltei correndo para o fiat e arranquei.

Quando ao serão contei a história, a tua mãe disse mirando a mão esquerda singela, tão bonito o meu anel, não há outro igual no mundo. 

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