Nesta
vida de que já gastei a maior parte, há imensas coisas – e pessoas - que vou
perdendo. Por razões umas mais miúdas que outras, sem razão, por desinteresse,
porque não estou para isso, porque me escapam a contragosto. Os anos mudam-nos
as crenças e hoje acredito que nada ou quase nada se escolhe, que as escolhas
são as nossas ilusões no poder da vontade, artifícios luminosos a emprestar
tonalidades que miramos de gosto, talvez por vaidade retinta. No entanto,
continua a ser verdade que ir por um caminho é preterir, no momento em que se vai,
todos os outros. O que encerra um dramatismo alucinante. Por outro lado, não
aprecio o determinismo de um demiurgo que nos destina desde o nascimento, cujo
não me faz sentido até pela pouca importância que me parece ter cada homem. Só
um ser muito fixado nos humanos – e muito picuinhas - se daria ao trabalho de
programar a condição humana vida-a-vida, inculcando-lhe, por acréscimo, a ideia
de liberdade e a convicção de que pode, em certa medida, fazer-se livre (nem me
atrevo a comentá-las, mas dão mais moíção que resultados).
Voltando ao primeiro assunto e à constância
irremediável das perdas tal como as sei, verifico por exemplo que a pintura distrai
o espírito e me satisfaz qualquer passeio solitário em museu onde espiolho com
espírito mineiro, coisa que eu mesma não acreditaria há quarenta anos. Contudo,
isento-me de lamentar obras que não vi, lugares onde não pus o pé ou livros que
não li. O meu princípio é o de muita gente – da maioria dos portugueses, quase
aposto -, vejo e leio o que me é possível (sem exageros) e disso retiro o prazer
de que sou capaz. Porém, o que mais me apraz é assistir a uma boa conferência.
É aqui que entra a minha mágoa verdadeira. As pinceladas e a cor que me
faltaram, os lugares que perdi ou as centenas de páginas que deixei virgens,
não me agastam, mas não poder assistir a
uma mente que discorre em directo, é um
irreparável. Não me refiro, é evidente,
aos ilustres que papagueiam teses – ou bocados delas – em lugares diversos,
ainda que sejam de reconhecido mérito. Falo de outro patamar, de quem sabe tornar
fáceis temas difíceis ou consegue ensinar-nos algo de novo, fazendo simples o
que lhes gasta suor e anos de vida. Pessoas que fosforecem. Portanto.
Acontece esta arenga a propósito de
ter lido uma reportagem – ou será entrevista – com Gerry Gilmore, ao que parece
um reconhecido cientista e filósofo inglês (ensina Filosofia Experimental em
Cambridge) que visitou Portugal para uma palestra na Fundação Champalimaud. E
às primeiras linhas me fiz espontânea fã. Eu que nem sequer sabia de uma
Conferência sobre o Futuro. Ou da existência de Gilmore (ainda que detentora
desse conhecimento, tal conferência não era para o meu bico). Bom. Pormenores.
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