segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Rasoura

Todos os anos a gente passa revista ao que fez – com vista grossa, para não haver choro e ranger de dentes. É de hábito e tradição. Olho para trás e o meu ano foi tão insalubre que confrange. Não bem insalubre. O termo é lúgubre. Espaireci pouco e mal – excepto quando andei por Itália. Foi um ano claustrofóbico, abri pouquíssimas frestas e não acrescentei pessoas novas ao meu mundo, nem uma única. Houve muita coisa em exposição nos museus que desejei ver e não vi, as datas a caducarem umas atrás das outras; passaram concertos para que não tive carteira, teatros a que ambicionava assistir e não foi possível. Neste ano, visitei menos os amigos, e no entanto aprendi algumas coisas novas sobre a nossa relação.

O ano de 2015 foi meio difícil. Gastou-se em negativos e exercícios na câmara escura. Tudo de pernas para o ar, as cores invertidas. E largos períodos de solidão. É certo que sou uma pessoa solitária e aprecio estar sozinha. Mas não foi o que aconteceu. Quando a nossa vida desaba – e às vezes acontece que a gente a faz desabar – percebemos que não calhamos bem,  está toda a gente muito ocupada – e engrenada - no mundo a que pertence, cujo também dá muito trabalho e doença e preocupações.  Talvez por educação, ou porque sou assim mesmo, passei a vida a não querer incomodar, a sacudir pés nos tapetes, a pisar de leve para não acordar ninguém, a não bater com as portas. Não sei ser diferente, as fúrias não me fazem feliz, tendo naturalmente à concórdia. Mas, se calhar, as pessoas como eu não têm lugar. Se calhar, não existem. Quem sabe sou um conceito, uma ideia sem sustentação que não tem onde cair morta...

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