De
Évora tenho memória escura, a igualar o dia de hoje, tão triste de luz. Uma
cidade soalheira que em mim é eterno sombreado. Porém, não se pense que foi
tempo apenas de tristeza. Nada disso, ainda mantenho duas amizades alegres que
ali encontrei, perdidas no rigor das estações. E há eborenses que conheci e
conservo intactos em seu valor natural. Fez-me bem conhecê-los, aumentaram a
minha fé nos homens e mais nos alentejanos verdadeiros. Para com eles, os
amigos e conhecidos que me foram companhia, bem o sinto, sou devedora.
Porém,
o cimento dos anos e a corrida das estações não obliteraram o sabor amargo da
cidade, a tristeza que só a fonia “Évora”
ainda me causa. Alguma coisa muito séria perdi no meio daquelas pedras. Ou
ganhei. Porque o ar das cidades nos afecta e transforma na medida do que nelas
vivemos. E há em cada uma o seu próprio ser. Existe o ar das cidades com praia,
cheirando a férias e sempre mais leve e prazenteiro; o das cidades quotidianas
que cheira a pão enchidos e hortaliça e, por vezes, a esgoto e a azedo; o das
cidades monumentais com cheiro de história e um leve traço de mofo; e etc.
Quanto a Évora, reconheço: respirá-la durante três anos, impactou-me. Podia ter
sido o meu melhor tempo, afinal vivi ali entre os dezassete e os vinte. Os meus
avós diriam sonhadores, uma idade tão bonita! E sim, era uma idade bonita. Nesse
tempo, também eu era bonitinha. Ainda que doente. Ou talvez mais por causa
disso. Tinha um olhar com morte dentro. E, ao contrário do que se possa pensar,
não era feio de todo.
Por
vezes, vou a Évora. Poucas vezes e só quando tem de ser. Mas, ao contrário da
cidade que me causa algum mau estar, o caminho agrada-me demais. Antes de Montemor-o-Novo,
o verde primaveril cola-se em suavidade que arredonda pelas colinas e não há
nada mais bonito que este perder de vista do horizonte alentejano com suas
capelinhas em cada monte, aqui e ali casas idílicas e brancas arrumadas umas às
outras em pose fotográfica (sei, é só por fora, lá dentro existem os dramas e
alegrias que todos conhecemos). E o firmamento é maior, mais próximo e ímpar de
cor. Nesses momentos, juro, apetece-me o caminho e fustigo-me mentalmente,
invectivando-me pelas saídas que não faço e prometendo passar com mais frequência.
E,até nessas alturas de devaneio, tenho certeza que prometo em vão. Hoje foi
assim, os meus olhos luxuosos a olharem até Évora e a cidade irreal, envolta em
espesso manto de névoa que a escurecia. Lembro-me de ter pensado que podia vir
chuva. Chegada à urbe, crio sempre a ideia tola de que me fico pelos caminhos
dado não ultrapassar as muralhas. É uma desculpa para não a encontrar, cara a
cara. Pode até ser uma fuga. O médico para mim, dê um passeio pela cidade. E a
minha negativa espontânea, afastando a sugestão como mosca incómoda que pousou onde não deve.
Regressei debaixo de chuva grossa, um nevoeiro
aquoso a levantar da estrada a ilusão de estarmos sós. Nós e a água sobre a
fita escura e brilhante.
Pensando
nas voltas da vida. E quanto a greve de metro e mais um ou outro factor podem
caminhar ao invés da vontade.
Viver
também inclui o improgramado.
Haverá
outras vezes? Pois é. Mas não a mesma vez. Nunca mais a mesma. Porque o
irremediável é o continuum da vida.
Nenhum dos nossos minutos volta. Nenhunzinho.
E
eu que queria ver e ouvir Dulce Maria Cardoso!...
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