segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

The Danish Girl - Quando o Corpo Pesa e Incomoda

Um ramalhete  de acasos e decisões levou-me a ver “The Danish Girl”. Em boa companhia. Afinal, é a época especial do cinema,  a de melhores filmes. E alguns  se me dependuram em olhos e mente a suplicar, estamos aqui, vê-nos, vê-nos, não nos percas por nada. E etc. Pendo para filmes centrados em figuras femininas (se não o são, involuntariamente os centro), aprecio-lhes o rigor nos pormenores de interpretação, o ambiente geral onde se movem e o espectro de atenção a sentimentos e emoções.  E depois, permitem-me  – quase sempre -  fugir às cruezas modernas da câmara viciosa de violência física e em exercício de preclaro sado-masoquismo realista:  sangue que espirra, miudezas à vista, o lado maligno numa excitação rubra que põe a léguas a sofreguidão  de qualquer cena de sexo ou amor  urgente. Serei uma retrógrada do pior, mas convenço-me que a maioria das fitas puxam à violência aberrante. O pêndulo oscila entre  a premência sexual em seu lado de prazer obtido por embate e que nele se compraz, e o despelotar ilimitado do mal. No cinema e na literatura, o mal é filão que não esgota. Sendo finito, não conhece freios e, nesse aspecto, ultrapassa largamente os aspectos sexuais que também invade. Thanatos e Eros. Ou a conjugação das forças que nos orientam.
Desta vez, a contrariar ímpetos de ilusão e desmentir a fábrica particular de realidades paralelas que me habita e lesta desenhava uma amizade redentora entre duas jovens, a danish girl a sobressair, fui ler a sinopse. E não era a mesma coisa. Mas também era. Portanto, avante. Um factor de peso foi saber que o actor principal era o Stephen Hawking de “A Teoria de Tudo”, no que então considerei um desempenho brutal (bem premiado) de um  actor brutalmente jovem, o que lhe aprimora a qualidade.
Enfim, sentei-me no escuro dentro da ideia muito vaga do tema. A homossexualidade está tão presente nas nossas mentes – por lutas, conquistas, exibições e o mais -  que pouco nos detemos nos transsexuais. Não estava preparada para o drama. Aquele. O verdadeiro ele. Sabia  de um casamento que se desfaz  por haver, a dado passo, duas mulheres nele. E de uma amizade incondicional. Não intuí o drama do corpo que não se tem e se quer ter; os gestos que fazem falta e se amam, mas de que não houve apropriação; a necessidade daquela aura de feminino, respiração tão desejada  que incomoda quem está na cadeira. Serão assim, os transssexuais?! Não sei. Não sei mesmo. Penso: eu como seria se me educassem para ser rapaz.  Ao roçá-la, usaria os meus dedos de sentir que a seda é macia e passa à frente, ou eles seriam antes dedos felizes a festejá-la mansamente, como a amante delicada. Mas é que não é o mesmo. O sujeito do filme é todo homem por fora e mulher por dentro. Com educação de rapaz eu seria ainda mulher por dentro e bastante por fora. Logo, o exemplo não serve. Mas a vertente dramática e preferencial voa-me para situações deste teor, onde o parecer diverge substancialmente do ser e tal clivagem magoa  mais que ferida em carne viva .
A dada altura, Einar vai olhar uma prostituta para lhe copiar, desajeitado, os gestos de sedução, imaginando-se nela-mulher e provoca no espectador uma espécie de incómoda piedade. Não há ali voyeurismo. A Einar interessa a naturalidade do gesto, a glória e o cetim da pele que não estão senão do outro lado. Oh, não é apenas a satisfação do escuro a proteger o segredo. Essa é a não importância. Há na repetição dos gestos, a ilusão não iludida de “eu sou ela”,  uma procura de identidade sobraçada por um simultâneo  de inveja dolorosa e consciente do quanto o querer não pode. E o actor é extraordinário na sua figura tímida e quase fugaz, nos gestos medroso, na falta de confiança, na urgência de se viver mulher.
E no entanto o filme sofre de todo o mal do cinema, centra-se em dois seres e na sua relação; esquece o mundo adverso e o conjunto de tramas menores que acompanham um escândalo deste tamanho na primeira metade do século XX. Porque tais figuras existiram. Einar e Gerda Weneger  eram pintores e ele morreu a tentar mudar de sexo, crente nos poderes da medicina.
Como não podia deixar de ser, liguei-me àquela jovem, vivi o seu amor desde a ignorância feliz (será que nunca dera por tal?), vi-o entristecer, barafustar e depois, acomodar-se à circunstância. Pergunto-me o que teria sido do Einar do filme sem Gerda. Amei a forma como ela quase levou o ex-marido pela mão, a irmaná-lo e ensinar-lhe o caminho do mundo no feminino, por vezes quase em monopólio, a apertar, a apertar, porque o amor não se resigna mesmo se diz que sim. Como o acompanhou até ao fim. Tom Hooper já me agradara em “ O Discurso do Rei”. E continua.

 O certo é que há duas raparigas dinamarquesas a defender o filme. De igual para igual. 

2 comentários:

  1. Gostei imenso do filme. Fui vê-lo com uma amiga e saímos de lá fascinadas.
    Achei o filme muito bem concebido. Não consigo imaginar o que será ser-se mulher num corpo de homem ou ao contrário.
    Acompanhei Einar e Gerda com imensa ternura. Apreensiva por eles, ao mesmo tempo, "torcendo" para que as coisas corressem bem.
    Gerda foi de uma enorme coragem e ao mesmo tempo despojamento (será o mesmo que amor verdadeiro?) ao apoiar Einar até ao fim. Sabendo que perderia definitivamente o companheiro. Para mim é um belo filme de AMOR.

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  2. É. Também vi o filme com uma amiga e ambas gostámos bastante. Vai ver "Carol" para comparar. Porque são diversos apesar da temática parecer próxima.
    Gosto de te ver por aqui, andorinha, na minha casa mesmo minha:). Obrigada. Vou tentar não me esquecer dos comentários:))

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