sábado, 6 de dezembro de 2014

Cartas a Olívia

Olívia

Não gostei. Não gostei mesmo nada da tua voz ao telefone. A descartar-me. E não tive coragem para te dar o meu grito de alma de isso não se faz. Não te enganes, rejeitei a tua recusa. É sem regresso, Olívia. Nunca mais. Oh, sim, vou escrever-te daqui, onde o teu ser físico não me lerá. Conheço-o. Nem sequer sabe mexer no Pc. Aqui, existes-me no imaginário e é dele que te levantas. És, portanto, a destinatária e companheira certa.
Não sei se mais me desiludo contigo se de mim. Como é possível que, depois de tanto ano, apenas recordes o tempo de Évora, como se a seguir, o nada… e eu na certeza de que sobre Évora pus tanto de nós (tens razão, fui só eu a acrescentar), a supor que seríamos outras mas ainda inteiras na amizade, apostando que mesmo mais crescidas nela (terei em ti a imagem feliz que não te deste ao trabalho de desfazer, sou um embrulho). Aceitei as tuas recusas, os teus silêncios esquecidos, as tuas não respostas…a religião atarefada a preencher-te o vazio dos dias. Fiz mal, alimentei a ilusão. Que, olhando com mais objectividade, sempre te apressaste a desfazer. Mas eu contínua, a lançar-te sobre os ombros o fatalismo alentejano. A tapar-nos com ele. Desculpa o ocaso da decisão. O que crescia era o meu abcesso de ti, tu eras o corpo estranho a debater-se dentro do meu.
Mas em amizade as coisas são ou não são. E nós não somos. Dois dias a purgar deve ser suficiente.
Vou enviar-te o que tricotei para ti. Com amor, pois. Com a amizade toda que te tive ao longo de décadas, entretecida em cada ponto. Espero que gostes e uses. Tu hás-de, então, ligar a agradecer o inesperado. E vou rir-me, porque já me morreste mas falo ainda contigo. E na tua estrada comprida de planície, para ti, não piso mais.
Não sei se hoje nasce a minha Olívia ou se só ela me existia se pensava em ti. Surges intacta nesta correspondência de um só sentido que afinal foi sempre o nosso. Quatro dezenas de anos. Repara na burrice. A verdade é que apesar da promessa, um dia arranjo um tempinho e mando-te uma carta, desististe também das palavras. Desculpa a tua realidade ter-me escapado, mas é que não me serve, não consigo viver com ela.
A cada um sua loucura. O Eugénio ia com as aves, eu fico com a escrita.

Um beijinho

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