Quando
descobrimos Porto Covo, o local ainda não sofria de pedigree. Era somente uma
aldeia marítima e pacata na costa alentejana. Tinha um largo quadrado, rodeado
de árvores com a copa inclinada para o mesmo lado, devido à força do vento. A bordejar o largo, umas casitas brancas e típicas, com barras, provavelmente
de pescadores, e uma igreja caiadinha e interessante. Ao crepúsculo, as pessoas
sentavam-se às portas em conversa comprida que estafava as cadeiras de lona
armadas para o efeito. Era nesse largo de arbustos convenientes, que jogávamos à
apanhada. Tínhamos a implícita conivência dos moradores que, por exemplo a meu
irmão, faziam sinais para não ser descoberto ou chegavam mesmo a escondê-lo, ficando depois de olho em nós a averiguar espertezas. Foi
ali que o Jorge esfolou os joelhos e se delatou vezes sem conta,
indiscrição dos sapatos de sola. Coitadinho dele.
Havia
noites em que saíamos a passear Porto Covo de ponta a ponta, cantando tudo que
viesse à rede. A canção preferida do Jorge era, “Casa-te ó prima tira a
certidão”, mas entoávamos “a Rama”, “Ribeira vai cheia”, “Foste foste que eu
bem sei que foste”, a“Maria Faia”. E mais.
Nos
fins-de-semana, Porto Covo engalanava um terreiro fechado – onde havia cinema –
e fazia um baile com um tocador e tudo. E nós íamos ouvir a música para junto
da paliçada e a quem de nós apetecesse, dançava. A minha amiga dançava sempre.
Com um ou os dois rapazes. Dançavam a inventar os passos a todo o momento e nós
em volta, a acertar palmas com pés, todos contentes. Certa vez, estávamos tão
divertidos que os rapazes que iam entrar desistiam e ficavam a fazer roda
connosco, um deles a convidar-me para ir ao meio com ele, como se eu
conseguisse dançar com alguém, e outro já a fazer par com a minha amiga. O certo
é que ninguém entrava no terreiro. Então, um dos responsáveis saiu e
expulsou-nos (da rua) quase implorando que nos fôssemos divertir longe.
Tirávamos freguesia à diversão. E nós fomos. Compreendemos o “temos de ganhar
ao menos para pagar ao tocador, vocês estão no baile cá fora e quase há meia
hora que ninguém entra”. E voltámos às tendas satisfeitinhos da nossa proeza. A
minha amiga, é pá somos mesmo bons, "arrebentámos" com a freguesia ao homem – e dava
uma gargalhada bem disposta. Depois rematando à canhota, vejam lá bem que eu
até andei a dançar com um rapaz que nunca vi mais gordo…
Há
um episódio nos duches também curioso. Os nossos banhos ocorriam numa torneira
já falecida - quando há pouco tempo visitei o lugar, procurei-a sem êxito.
Virada à praia dos pescadores – uma prainha onde descansavam pequenos barcos de pesca –, nas traseiras de umas casas baixas com quintal, havia uma torneira pública onde os campistas tomavam banho. Claro que ninguém se despia e comprávamos uma mangueira cuja medida o Isménio do supermercado – um pedaço de homem a irradiar sugestão – já conhecia. Portanto, pela tardinha, lá íamos como formiguinhas. Com a toalha, o sabonete (não havia gel de banho), o champô e, claro, o nosso pedaço de mangueira. Por norma, eu e a minha amiga não nos juntávamos, pertencíamos a grupos diferentes. No entanto, uma vez aconteceu. Já não recordo o motivo, mas atrasámos. Tivemos de esperar que outros se lavassem e a rampa áspera de cimento onde nos banhávamos escorria. Ora, todas as tardes víamos num dos quintais, um rapaz sentado, muito entretido a ler. Nunca dei conta de como eram os olhos, as sobrancelhas, permanecia ensimesmado no livro. E todas nós brincávamos com o facto de ele não olhar o pessoal, mas continuar a sentar-se naquele lugar de privilégio. Como a hora já ia adiantada, resolvemos tomar o duche juntas, a adiantar serviço. Porém, mal comecei a ensaboar-me, os pés escorregaram no cimento engordurado de sabão e caí despedida. A minha amiga, colhida na surpresa, correu a apanhar-me o sabonete que escapulira e de súbito dei conta de uns braços fortes que me levantavam do chão, em peso, quando desfalecia de dor. O rapaz tinha saltado o muro do quintal e correra, silencioso, a levantar-me. A minha amiga no caminho, como é que ele chegou ali tão depressa? E eu, bela amiga, caio um trambolhão e apanhas-me o sabonete, foi preciso o rapaz sair lá do quintal para me levantar. E ela, oh, se tu visses a pressa com que ele saltou o muro, parecia um raio. No dia seguinte tinha nódoas negras e escalavrões de alto a baixo, num dos lados do corpo, nem o rosto escapou. Contudo, o meu salvador silencioso desapareceu. Mas os meus amigos bem que me gozavam. Pergunto-me como seriam os olhos do herói. Ou as sobrancelhas.
Virada à praia dos pescadores – uma prainha onde descansavam pequenos barcos de pesca –, nas traseiras de umas casas baixas com quintal, havia uma torneira pública onde os campistas tomavam banho. Claro que ninguém se despia e comprávamos uma mangueira cuja medida o Isménio do supermercado – um pedaço de homem a irradiar sugestão – já conhecia. Portanto, pela tardinha, lá íamos como formiguinhas. Com a toalha, o sabonete (não havia gel de banho), o champô e, claro, o nosso pedaço de mangueira. Por norma, eu e a minha amiga não nos juntávamos, pertencíamos a grupos diferentes. No entanto, uma vez aconteceu. Já não recordo o motivo, mas atrasámos. Tivemos de esperar que outros se lavassem e a rampa áspera de cimento onde nos banhávamos escorria. Ora, todas as tardes víamos num dos quintais, um rapaz sentado, muito entretido a ler. Nunca dei conta de como eram os olhos, as sobrancelhas, permanecia ensimesmado no livro. E todas nós brincávamos com o facto de ele não olhar o pessoal, mas continuar a sentar-se naquele lugar de privilégio. Como a hora já ia adiantada, resolvemos tomar o duche juntas, a adiantar serviço. Porém, mal comecei a ensaboar-me, os pés escorregaram no cimento engordurado de sabão e caí despedida. A minha amiga, colhida na surpresa, correu a apanhar-me o sabonete que escapulira e de súbito dei conta de uns braços fortes que me levantavam do chão, em peso, quando desfalecia de dor. O rapaz tinha saltado o muro do quintal e correra, silencioso, a levantar-me. A minha amiga no caminho, como é que ele chegou ali tão depressa? E eu, bela amiga, caio um trambolhão e apanhas-me o sabonete, foi preciso o rapaz sair lá do quintal para me levantar. E ela, oh, se tu visses a pressa com que ele saltou o muro, parecia um raio. No dia seguinte tinha nódoas negras e escalavrões de alto a baixo, num dos lados do corpo, nem o rosto escapou. Contudo, o meu salvador silencioso desapareceu. Mas os meus amigos bem que me gozavam. Pergunto-me como seriam os olhos do herói. Ou as sobrancelhas.
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