Tróia
do meu sonho, ninfa da minha realidade mais íntima….
No
ano seguinte, decidimos não repetir a Zambujeira do Mar. Queríamos mudar de
ares.
Primeiro,
acampámos um fim-de-semana em Troia, a fim de lhe conhecermos pormenores. E,
pura palermice, conhecemos mal. O nosso amigo ingressara como voluntário na
tropa e não podia acompanhar-nos e montar as tendas. E eu levei o Pedro para o
efeito. O meu primo encontrava-se em Portugal e presumo que nos tenha vindo
visitar nos feriados e tratar de alguns documentos, quem sabe se mesmo os do
serviço militar (nessa altura o Pedro já não nos acompanhava; a minha tia
tinha, finalmente, a sua casa, e uma Blanca madrilena retinha-o lestamente).
Sei que aproveitámos também uma ponte entre feriados, talvez no 10 de Junho.
Éramos quatro, eu, a minha amiga, uma amiga dela e o Pedro. E acampámos logo
ali na linha dos barcos, junto ao rio e perto do cais, onde o barulho e o
gasóleo andam de mão dada. O local não foi o melhor, mas verificámos a
existência de supermercado, farmácia, cafés. Concluímos ser bom lugar para
campistas. E Troia campeava nas preferências. Nesse tempo, vivíamos ambas em
Setúbal, ela hospedada numa moradia central, com vista para o Sado e eu no
Bairro do Peixe Frito, em casa de um amigo do meu pai cuja família, ela mesma,
seria digna de descrição. Por vezes, íamos à praia juntas, mas nesse ano e no
seguinte a minha amiga bateu-me aos pontos no seu novo hábito de banhos ao
entardecer. Na maioria do tempo, limitava-me a olhar Troia de longe, às vezes
junto ao cais dos barcos, hábito em que persevero se tenho (ou crio) tempo
livre em Setúbal.
Entretanto,
ela descobrira um lugar onde podíamos acampar (havia um pinhal que servia de
abrigo às tendas), com banho e água potável perto. Era tudo grátis e
parecia-nos o melhor dos mundos. Ficava em Troia, numa enseada do rio, reentrância
bojuda conhecida como “a caldeira” onde a água era mais quente que em qualquer
lugar. Um paraíso. O nosso amigo continuava na tropa, mas de imediato nos
garantiu os fins-de-semana e logo lhe aproveitámos os braços. Foram as nossas
primeiras férias sem homens a tempo inteiro (ainda não conhecíamos o Jorge).
Chegámos matinais, armámos as tendas debaixo dos pinheiros, fomos às compras e
tudo foram maravilhas até ao entardecer.
Porém,
ao cair da tarde, uma nuvem de mosquitos, saída não se sabe de onde,
estragou-nos o éden. É que não havia lugar do corpo onde não chegassem. A minha
amiga e seu pendura, arrasados, resolveram ir para a água, onde a bicheza não
ousaria. Mas a nuvem escurecia rente à água e foram obrigados a sair. O inveterado
optimismo do nosso tropa, com a cabeça debaixo de água até se está bem - e
instruindo o pessoal -; vens à tona, respiras rápido e mergulhas de novo;
afogas logo uma data deles. Ela indiferente a conselhos com piada incluída, uma
coceira no corpo todo, a choramingar, ai a minha mãezinha que não sabe o que a
filha está aqui a sofrer. Ou então, minha rica casinha sem um mosquito e eu
aqui toda picada para onde quer que me vire. Não aguento quinze dias, vou-me
embora antes, se calhar amanhã.
A
sua imagem de mulher forte e segura, vergada por compacta nuvem de mosquitos,
tinha alguma graça. Jamais a ouvira chamar pela mãe ou pela casa paterna e
ainda hoje creio ter restringido tais lamentos a esse impasse de frenesim
mosquiteiro em que a pele nos gritava por dedos que não tínhamos, inchando
solene a cada picada. A léguas da deserção, nós quatro, também aflitos com a mosquitagem
mas habituados ao bera da vida, só ríamos dos solilóquios deles.
Quando
o agastamento estava no zénite – todos picados -, os mosquitos desapareceram.
Após
o jantar, fizemos, enfim, a famosa fogueira que nos crepitava há anos no
imaginário. Ela contente e já a esquecer propósitos de regresso, aquilo dos
mosquitos é só uma hora, depois passa, digam lá se não é bom estarmos aqui à fogueira,
a deitar achas no lume como nos filmes. - e mexia no fogo com um pauzito
satisfeitíssima, a chegar-lhe mais uma pinha a que nós chamávamos cascabulho,
afirmando num leve acento de prevaricação - é pá, gosto mesmo de fazer isto. E
o nosso tropa ria bonacheirão, esta noite fazes chichi na cama. Ai deixa, vê lá
se te viras para o outro lado que não quero acordar todo ensopadinho.
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