De
entre os itinerantes do grupo, salienta-se o episódio da Marianita. A Marianita
era a minha doce vizinha do lado, na época em que me hospedei na casa mais
vazia de tudo que conheci e onde gostei imenso de viver enquanto cursei
filosofia (tenho queda por coisas que não prestam). Era uma garotinha de olhos
verdes e carita redonda, com boquinha de bebé, acabadinha de fazer o décimo
segundo ano e a quem o revisor perguntou muito à vontade, e tu, queres meio
bilhete para aonde? A Marianita avermelhou até ao cabelo nesse momento tapado
com um chapeuzinho branco muito beto que então se usava, empertigou o busto que
era a única coisa bem saliente que possuía e o senhor atrapalhou: desculpe,
quer bilhete para onde? E nós todos na risota, o vermelhão da Mariana a
dispersar. Pois a Mariana acampou connosco durante dois anos, mais
precisamente, até namorar. No seu ano de estreia foram os pais que a levaram
até nós. Ora, nesse ano, tivemos uma sorte incrível: encontrámos um lugar mesmo
à conta para nós, debaixo das árvores, num bosquezito hoje inexistente em Porto
Covo e que era o nosso sonho anual, mas onde nunca conseguíramos lugar.
Carregámos a bagagem toda, montámos as tendas, escolhemos sítio para a cozinha
improvisada…e, encantados da vida, começámos a gozar as férias.
Os
nossos vizinhos mais próximos, ausentes o dia todo, acordavam tão tarde que
durante a manhã os deixávamos dormindo em rancho, grande parte na rua. Eram uma
miscelânia de portugueses e estrangeiros e faziam grandes fogueiras nocturnas, para
que cortesmente nos convidaram na primeira noite, convite que declinámos.
No
dia aprazado para a chegada da Marianita considerei que, entre tanta dispersão
de tendas, ela não nos encontraria por si mesma e fiquei a esperá-la enquanto
os outros seguiam para a praia. Só que estava calor e cansei-me de olhar o
caminho. Então, eu e a Gina – minha companhia solidária - resolvemos colocar setas
a indicar o nosso sítio. Com o meu nome, está visto. Pedimos caixas de cartão
na mercearia, rasgámo-las em rectângulos, e fomos pondo setas encimadas com o
meu nome, gina, gina, gina, do largo até às tendas. No final, contemplámos a
obra com orgulho achando-nos o máximo da eficiencia, e seguimos para a praia a
encontrar os outros. Já não me lembro se pertencia ou não ao grupo que saía
mais cedo da praia, mas sei que ao chegarmos às tendas, em vez da Marianita
estavam dois guardas republicanos com um ar muitíssimo intrigado a olhar o desenho
da nossa última seta, por acaso apoiada nos arbustos que rodeavam as tendas.
Passei por eles e nem liguei. Mas vieram atrás de nós com a seta e
perguntaram, quem é a gina. Por acaso as duas correspondíamos, mas como estavam
com o cartão na mão, assumi, sou eu. Eles ficaram a olhar-me em seriedade e
alguma confusão e, a menina não pode andar por aí a pôr setas com o seu nome.
Eu, porquê? E eles em vez de me responderem, outra pergunta, então estas setas
eram para quê? Expliquei-lhes que estava à espera de uma amiga, mas queria ir à
praia e que me lembrara de montar aquele esquema para que ela pudesse
encontrar-me se eu não estivesse visível. E eles dubitativos, vocês não andavam
a vender nada?!- e peremptórios - De toda a maneira, isto é proíbido. Eu a
antever multas e dinheiros que não tinha, mas eu só queria que ela soubesse
onde nós estávamos. E ele a estender-me o cartão, não me interessa, tem de
tirar isto, os outros já nós retirámos. Depois, fixando melhor o grupo que
entretanto chegara da praia, vocês não acham melhor mudarem de lugar? E nós
todos muito depressa, não, não, gostamos muito deste sítio, tem sombras, é
sossegado e está perto de tudo. Os dois guardas meio indecisos, vocês é que
sabem, mas se calhar era melhor mudarem. E afastaram-se. Nós uns para os
outros, mudar.. Deus nos livre, eles não avaliam o trabalho que dá montar este
estaminé todo; além disso, nunca ficámos num lugar tão bom.
Mas
quando a Marianita chegou os guardas ainda insistiam passaricando na estrada
junto às tendas, a olhar-nos uma vez e outra. E nós para eles, a exibi-la como
prova de verdade, esta é a nossa amiga, já chegou. E o Guarda teimoso, deviam
mudar de lugar. E nós uns para os outros, baixinho, o homem é parvo, não façam
caso.
Mas
o tempo havia de mostrar-nos a visão dos guardas.
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