terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Para Lá do Mar

Durante o campismo, passámos por várias praias, mas as férias em Porto Covo (em anos vários ) tinham um gosto especial. Jamais havíamos – eu e os meus irmãos -  avistado uma ilha e a do Pessegueiro alimentou-nos o imaginário até à exaustão, tenho certeza que o príncipe mouro e sua amada cristã ali aparecem em noites enluaradas, dando voz livre e final a seus amores contrariados. E invejo-os, banham-se num cenário de sonho, vindos de uma lenda a sério, numa supra vida sem fronteira. E esta história vou daqui a pouco confirmá-la no Google que nos foi contada na praia do Pessegueiro por um pescador de mau aspecto, quem sabe chegado desse tempo remoto, eu a olhar-lhe as roupas a ver se descobria um sinal, uma marca actual e nada. Estou em vias de acreditar que o príncipe perscrutou as nossas mentes curiosas e nos enviou um vilão matinal para esclarecimento, à beirinha do primeiro banho. Garanto, posso até ver ainda muitas ilhas, ir por exemplo aos Açores onde toda a gente afirma que mora a beleza pura e habitam deuses e duendes clorofílicos, mas nada apagará a nossa imagem estilizada daquela ilha-donzela em seu desmaio, o sol a beijá-la arredondando vagares de ternura, o mar a ondular-lhe tagatés nos artelhos. E o pessegueiro algures, todo braços incapazes, negritude de gestos suspensos na claridade, a lembrar-nos um amor funesto que é aquele e pode ser outro. Porque os amores de verdade são dramas e histórias que ninguém conta, mas existem em suas ilhas sem ponta de mar, sol ou lenda.
Pronto, estou segura que aquele pescador de outras eras era um mensageiro: consultei o Google e as duas lendas que existem não correspondem: uma passa-se entre os piratas, a Senhora da queimada e um eremita; e a outra envolve uma criança árabe com sua gralha e um pai tirano. Além disso o nome da ilha não deriva de uma árvore de fruto. Porém, lenda por lenda, prefiro a dele.

Cada banho na praia Grande assumia foros de odisseia, aquelas ondas são de pelo na venta, têm o seu feitiozinho, a minha irmã sem óculos não via e com eles tinha medo que uma onda mais rebelde os partisse, de modos que se ficava quase sempre pela beira da água  ou lhe dávamos a mão para ir um pouco mais longe. Mas sou destemida e optimista em meio aquático e, numa manhã de mar picado em que os outros não arriscaram, tive de ser salva por um dos rapazes a quem, na aflição de engolir água sem destino e incapaz de destrinçar a minha posição dentro da fúria aquosa, deitei-lhe os calções abaixo logo que os toquei (conta ele, não me lembro de nada) e, agarrada como lapa, dificultei-lhe o regresso. Foi aborrecido porque estavam todos a olhar-me e teimaram que a sua inanição se devia a moi-même: de cada vez que vinha à tona, surgia sorrindo (não entendo porquê, estava aflitíssima) e eles convictos que me divertia. Ora só um pensamento me obcecava, vou afogar-me à vista de todos e não consigo sequer acenar ou pedir socorro.
Mas houve outras peripécias. Algumas mais pitorescas.
Numa tarde em que seguíamos para a praia veio-nos à mão – ou estaria pendurado ou colado em algum poste da luz -  o anúncio de passeios de burro pelas praias. Alugavam-se burros pagos à hora. Demiti-me de imediato - nem no meu burro andara nunca, queria lá agora andar no burro dos outros -, mas a ideia enraizou nos dois rapazes e tenho alguma incerteza mas parece-me que a minha amiga, que nessa altura ia a um picadeiro montar a cavalo, também entrou no convénio. Fizeram logo a combinação da hora e o resto do grupo arranjou forma de ser plateia na beira da estrada, eles a jurarem-nos a pés juntos que o seu circuito passava, obrigatório,  pelas nossas tendas (já viramos passar outras pessoas). No dia aprazado, partiram satisfeitíssimos e nós no compasso de espera, a preparar a recepção dos nossos “burristas”. Esperámos e esperámos. Passou meia hora. Depois mais sessenta minutos. E recolhíamos às tendas quando surgiram cabisbaixos. Nós, então? E eles, olhem, o homem disse que lhe dávamos cabo dos burros, que somos pesados demais para os animais e por mais que lhe garantíssemos que os trazíamos são e salvos, não nos fez caso.

E foi assim que ficou truncada uma viagem de burro para a qual havia uma plateia entusiasta com apupos e dichotes seleccionados; tínhamos até uns cartões – as costas das setas orientadoras da Mariana – bem engraçados. E o pobre do homem, que só queria o melhor para os animais e decerto desconfiou do bom humor dos nossos amigos, deve ter sentido as orelhas a escaldar. Não lhe poupámos críticas e nem rimos pouco do revés sofrido. Os “sofredores” eram os mais nítidos gozões.

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