Durante o campismo, passámos
por várias praias, mas as férias em Porto Covo (em anos vários ) tinham um gosto especial.
Jamais havíamos – eu e os meus irmãos -
avistado uma ilha e a do Pessegueiro alimentou-nos o imaginário até à
exaustão, tenho certeza que o príncipe mouro e sua amada cristã ali aparecem em
noites enluaradas, dando voz livre e final a seus amores contrariados. E invejo-os, banham-se num cenário de sonho, vindos de uma lenda a sério,
numa supra vida sem fronteira. E esta história vou daqui a pouco confirmá-la no
Google que nos foi contada na praia do Pessegueiro por um pescador de mau
aspecto, quem sabe chegado desse tempo remoto, eu a olhar-lhe as roupas a ver
se descobria um sinal, uma marca actual e nada. Estou em vias de acreditar que
o príncipe perscrutou as nossas mentes curiosas e nos enviou um vilão matinal
para esclarecimento, à beirinha do primeiro banho. Garanto, posso até ver ainda
muitas ilhas, ir por exemplo aos Açores onde toda a gente afirma que mora a
beleza pura e habitam deuses e duendes clorofílicos, mas nada apagará a nossa
imagem estilizada daquela ilha-donzela em seu desmaio, o sol a beijá-la
arredondando vagares de ternura, o mar a ondular-lhe tagatés nos artelhos. E o pessegueiro
algures, todo braços incapazes, negritude de gestos suspensos na claridade, a
lembrar-nos um amor funesto que é aquele e pode ser outro. Porque os amores de
verdade são dramas e histórias que ninguém conta, mas existem em suas ilhas sem ponta de mar, sol ou lenda.
Pronto,
estou segura que aquele pescador de outras eras era um mensageiro: consultei o
Google e as duas lendas que existem não correspondem: uma passa-se entre os
piratas, a Senhora da queimada e um eremita; e a outra envolve uma criança
árabe com sua gralha e um pai tirano. Além disso o nome da ilha não deriva de uma árvore de fruto. Porém, lenda por lenda, prefiro a dele.
Cada banho na praia Grande assumia foros de odisseia, aquelas ondas são de pelo na venta, têm o seu
feitiozinho, a minha irmã sem óculos não via e com eles tinha medo que uma
onda mais rebelde os partisse, de modos que se ficava quase sempre pela beira da água ou lhe dávamos a mão para ir um pouco mais longe. Mas sou destemida e optimista em meio aquático e, numa manhã de mar picado em que os
outros não arriscaram, tive de ser salva por um dos rapazes a quem, na aflição
de engolir água sem destino e incapaz de destrinçar a minha posição dentro da
fúria aquosa, deitei-lhe os calções abaixo logo que os toquei (conta ele, não me lembro de nada) e, agarrada como lapa, dificultei-lhe o regresso. Foi aborrecido porque estavam
todos a olhar-me e teimaram que a sua inanição se devia a
moi-même: de cada vez que vinha à tona, surgia sorrindo (não entendo porquê,
estava aflitíssima) e eles convictos que me divertia. Ora só um pensamento me obcecava, vou afogar-me à vista de todos e não consigo sequer acenar ou pedir
socorro.
Mas
houve outras peripécias. Algumas mais pitorescas.
Numa
tarde em que seguíamos para a praia veio-nos à mão – ou estaria pendurado ou
colado em algum poste da luz - o anúncio de
passeios de burro pelas praias. Alugavam-se burros pagos à hora. Demiti-me de
imediato - nem no meu burro andara nunca, queria lá agora andar no burro dos
outros -, mas a ideia enraizou nos dois rapazes e tenho alguma incerteza mas
parece-me que a minha amiga, que nessa altura ia a um picadeiro montar a
cavalo, também entrou no convénio. Fizeram logo a combinação da hora e o resto
do grupo arranjou forma de ser plateia na beira da estrada, eles a jurarem-nos
a pés juntos que o seu circuito passava, obrigatório, pelas nossas tendas (já viramos passar outras
pessoas). No dia aprazado, partiram satisfeitíssimos e nós no compasso de espera, a preparar a recepção dos nossos “burristas”. Esperámos e esperámos. Passou
meia hora. Depois mais sessenta minutos. E recolhíamos às tendas quando
surgiram cabisbaixos. Nós, então? E eles, olhem, o homem disse que lhe dávamos
cabo dos burros, que somos pesados demais para os animais e por mais que lhe
garantíssemos que os trazíamos são e salvos, não nos fez caso.
E
foi assim que ficou truncada uma viagem de burro para a qual havia uma plateia entusiasta com apupos e dichotes seleccionados; tínhamos até uns cartões – as costas das
setas orientadoras da Mariana – bem engraçados. E o pobre do homem, que só
queria o melhor para os animais e decerto desconfiou do bom humor dos nossos amigos,
deve ter sentido as orelhas a escaldar. Não lhe poupámos críticas e nem rimos
pouco do revés sofrido. Os “sofredores” eram os mais nítidos gozões.
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