No
fim da vereda, junto ao portão da escola, brilhava um carro preto mais pequeno
que a carrinha do Luís da mercearia. Maravilhados, os rapazes rodearam-no em círculo
de respeito. Muitos de nós ainda não se tinham sentado num automóvel. Portanto,
qualquer proprietário de veículo de quatro rodas nos subia na consideração. Entre
a saia de minha mãe e a parede de crianças, eu entrevia um senhor barbeado e penteado
e um braço de mulher. Correu célere a estupefacção, a professora é outra. Escondi-me
e agarrei com mais força as ramagens, mas a minha mãe, suavemente, abriu-me o
enclavinhado de dedos enquanto ouvia a porta do carro fechar e o braço
desaparecia. Então os garotos correram em cacho para junto de nós e esperaram.
Ouvi uns passos regulares e diferentes, recuei ainda mais dentro da saia e a
minha mãe impeliu-me para o amontoado infantil, vai, filha, agora fazes o que a
senhora professora mandar. Ouvi-a dizer, bom dia, minha senhora!, e vi-lhe as
costas a desaparecer. Tínhamos iniciado o nosso processo de despedidas: sem
lágrimas ou som. Mas o meu rosto deve ter dado alarme porque alguém me pegou
pela mão
- Anda cá, dá a mão a esta menina tão bonita, cheia
de caracóis; já viste, ela está contente por entrar na escola.
e
levou a minha mão até à mão estendida da canudinhos. Fiquei ali quieta de mão
dada, mas a canudinhos espevitou
- Sou a Lídia, como é que tu te chamas?
E eu
- Onde é que está a professora?
Ela a estremecer os canudos de cima abaixo
-
Era aquela senhora que te pegou na mão – e estranhando -, não a viste? Usa meias de vidro e sapatos de
salto alto – e logo a inchar de orgulho -. Eu fui esperá-la ao carro e ela disse que sou
muito bonita. Olha, vi uma coisa: o homem deu-lhe um beijo na boca. – e a
insistir sem transição - Como é que tu
te chamas?
Mas
eu estava rendida à mão e à voz que me tinham levado. Desconhecia se era loira
ou morena, bonita ou feia, de bom ou mau feitio, mas soube que ia gostar daquela mulher. E
quando mal me percatei, a professora sorria na nossa frente e dizia
-
Os pares de hoje vão ser de ano inteiro – a canudinhos deu-me um apertão nos
dedos.
Depois
a mestra olhou para nós duas e apontou-nos aos outros
-
Estas duas meninas ficam sempre à frente na forma; cuidado com os empurrões que
elas são muito pequeninas e podem cair.
-
Sim, minha senhora. - trovejaram os garotos; e, entre cochichos, ouviram-se uns risos
baixos.
-
O resto falamos lá dentro. Agora limpam os pés e podem entrar. - e desviou o
corpo da porta.
A
professora sentou-nos na primeira carteira da fila do meio e, para minha alegria, ficámos parceiras.
Breve entendi que se eu era a menina de minha mãe, Lídia era a menina da
professora. Tornámo-nos inseparáveis. A minha mãe sem que eu entendesse, são
corda e caldeiro. Manhãzinha, ela passava em minha casa e seguíamos juntas para
a escola e na volta fazíamos igual. Foram sobretudo estes percursos com ela que me instruíram de
mundo. Aprendia umas coisas por perguntá-las, outras pelas suas observações
casuais. Por exemplo, ao segundo ou terceiro dia de escola perguntou-me porque
dava sempre um beijo a minha mãe quando chegava e me despedia. E quando
respondi, porque sim, não pareceu satisfeita. Voltou-me os caracóis despenteados
todos descaídos para os olhos e inquiriu interessada, tu gostas? Fiquei sem
jeito, nunca tinha pensado no assunto, achava que era igual em todo o
lado. Respondi-lhe nesse sentido e acrescentei que à deita e também ao
levantar, repetia. Intrigada, perguntei-lhe como era em sua casa. E ela, não é
nada. A minha mãe só bate e ralha com a gente. Não há cá beijos. E acrescentou
mais baixo, e o meu pai bate pouco, mas é sempre com o cinto, o malvado.
Sem comentários:
Enviar um comentário