quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

The Room

 Vi “The Room”. A entrar na sua verdade aos poucos. Como de hábito. Primeiro julguei que aquela garota estivesse fugida, escondida da polícia por prática de homicídio ou crime de igual calibre. Em seguida, compreendi que estava prisioneira e só depois me sobreveio a extensão da desgraça. É presa de um bruto qualquer, um desaparafusado sexual que a enganou aos dezassete anos dizendo-lhe ter um cão doente e que a conserva com o filho dos dois, dentro de um quarto miserável que serve a tudo, numa barraca do seu quintal. Nada que a realidade não tenha já mostrado e até com avanço de malvadez, o que é bem triste.  Foi justamente ontem que passou na TV “O Livro Negro”, um dos muitos filmes sobre o descalabro nazi. Da primeira vez que vi a fita, gravou-se-me o momento em que assistimos ao desgosto de uma mulher exaurida. Era a hora certa para bisar na sétima arte. Confirmo, a jovem detém a melhor interpretação que conheço para um desgosto sem alento. E hoje, “The Room”. Humano masoquismo. Só pode.
Acontece que Brie Larson concorre ao prémio de melhor actriz e queria avaliar o naipe que defronta a imparável Cate Blanchete. Tem uma boa prestação, a garota. Pinta-nos o amor maternal que fosforece preocupação e ternura imaginativa no desgraçado exíguo da divisão onde vive com o filho de cinco anos, sofrendo as sevícias do monstro com aspecto de homem normal e inteiramente nas suas mãos. Assistimos à força redentora do amor materno que, no retorno do tempo normal e à semelhança do que sucede com o corpo no período pós stress, se vê exangue e quase sossobra . Há muita desgraça para assistir. E uma criança a prender-nos. Grande parte da narrativa pertence-lhe, o que ajuda a desconcertar a aura de desgraça e violência psicológica. A ingenuidade natural como que repõe alguma ordem no eclodir de sentimentos suscitado por situação tão abjecta, mais aberrante por ser real. E depois, o fim não é traumático, resume-se ao direito, para alguns tão suado, de habitar no mundo. 
Portanto, é de utilidade pública vermos filmes desta natureza. Que nos levam a deduzir que a nossa vida é, de longe, preferível às do écran. Como me servi de dose dupla, não saio a perder. Concedo: sou feliz, tenho uma vida desafogada, pertenço aos bem aventurados.

Que a paz esteja convosco. E o Senhor vos acompanhe.

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