Se
nos dá na veneta escolhermos um nome, parece-me
admissível que ele sirva à medida e ajuste sem denúncias perturbantes. Isto porque
o nome de baptismo não o escolhemos, adaptamo-nos, afeiçoamo-lo ou acabamos afeiçoados
à grafia e à pronúncia e remetemo-nos a
ele, acudimos-lhe em irremissível representação. Contudo, na continuidade da vida, emana dele um fluido de estranheza que não cessa de se estranhar. Ou, quem sabe, é isto
apenas impressão subjectiva e na maioria dos casos o casamento de amor entre
nome e pessoa elimina distâncias, ao invés do que sucede na união de interesses
que me caracteriza.
Escolher um nome é ser ele por vontade,
mas também sem ela. Há uns anos, durante um telejornal que admitia questões de
telespectadores, surgiu uma assinada com o meu nome, ouvi-a toda orgulhosa (não
era uma má questão), como se tivera alguma coisa a ver com o eu de mim. Que não
tinha. A este nome reajo involuntária e com propriedade; ao de batismo reajo pavloviana.
Os meus filhos numa constatação, gostavas de ser Beatriz, tu. E um no seu
natural, também, com o teu nome, quem não gostaria. E o primeiro, diz lá, é o
nome que mais gostas. E eu para os meus interiores, é o nome que mais gosto? E
não. Não é o nome que mais gosto. É o meu nome, o único que me serve, o meu
número por extenso. Percorre-me com o mesmo rigor dos pares de sapatos.
Experimentamos vários mas só um foi feito para os nossos pés. Os outros
andam lá perto, o pé até entra, mas desconforta dentro deles, sem relação de
pertença. Hão-de servir em pés maiores ou menores, mais largos ou mais
estreitos, com joanetes ou sem eles, etc. Assim acontece com o nome que “escolhemos”:
é o único que encaixa. E bem sabemos que não houve verdadeira escolha. Não
experimentámos vários como sucede com os pares de sapatos, só aquele nos
aparece dançando na mente. Singular.
É uma tragédia ser quem não se é e
não poder ser quem se é. Parece uma tragédia. Porque a vida humana evolve
assim, a roubar o ser do não ser. Não é coisa que se perceba mas assucede.
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