Perguntei
naturalmente, e onde é que vocês fazem isso? Ela, ninguém pode ver, os
crescidos também fazem, mas não querem que a gente faça. Eu a teimar, onde é
que é? E ela depois de um silêncio, olhos de confissão, atrás da tua barraca.
Revolvi em admiração enojada, o quê????! Ao pé do monturo para onde atiramos tudo, até
os penicos de chichi e cocó que eu levo a esticar muito os braços e sem
respirar? E ela, sim, ali ninguém vai...Eu de polícia, inquisitiva, e quando é
que vão para lá? E ela, às vezes estava a brincar contigo e dizia que ia mijar ou
a casa da minha avó e íamos para trás da barraca eu o Luís, não davas por isso?
Eu desconsolada com o engano, não. – e duvidosa - Tu gostas? Ela casquinou superior, não é como
brincar com as bonecas, é de verdade. – e acrescentou convicta - Gosto mais porque
é às escondidas. Em Lídia a provocação é natureza a irromper. As bandeiras que agita
não lhe interessam tanto pelas causas que representam como por serem bandeiras
vistas à distância. E ser a sua mão a empunhá-las. Isso sim, importava-lhe
bastante. De início, a nossa união dependia desse impulso que ela dava à vida,
do agitar de águas que a iluminava e eu retinha sem copiar. Lídia nunca me foi
modelo ou sequer lhe invejei o espírito a tentar igualá-lo. Pertencer a uma
condição retira-nos a inveja do possível, aquilo por que cada homem porfia a
vida toda é, cada vez mais, ser ele. Só quem não se sabe assim ou confunde o
ramo a que pertence, sofre o mal da inveja de carácter. Em nós duas, o tempo paciente
ajudou a cumprir a sapiência do respeito
mútuo, dispensou-nos de comparações estéreis. Sinto por ela como por ninguém a
admiração do risco, a sua inquietude sempre tão por fora, água que forceja em
chegar e esbaforida se despenha enquanto eu corro subterrânea e não caudalosa.
Ela alimenta turbinas transformadoras e energéticas, eu corro simplesmente.
Na
altura, garanti-lhe a desfazer púdicos e, na minha óptica, impensáveis temores,
está descansada, não vou lá espreitar. –
e depois, cortando-lhe outra fatia para o caminho, reguei, a florir-lhe a confiança
- eu gosto o mesmo de ti, não me faz diferença. E era verdade, gostava
dela assim e nem a conhecia de outro modo. Estava-lhe grata, tinha-me esclarecido.
O preço do saber foi sentir-me enganada, mas na vida não há os bónus que
pensamos, ela cobra-nos em qualquer altura. Porém, o objectivo dos dois estava fora dos
meus interesses, eu vivia no coração do mundo e eles na cintura externa.
Contudo,
no dia seguinte a caminho da escola, invectivei o Luís. Ele suspirou, ciente
de que eu conhecia toda a história. Parou de mala na mão, um olhar reticente à
flor dos olhos, juro que é verdade e nunca mais te digo isto: eu não gosto
delas, era contigo que eu queria... E eu, não me interessa, vamos embora. E recomeçámos
a andar falando de tudo e nada.
Passado
um ror de tempo, entrava eu em casa, ouvi o alerta das tias velhas a minha mãe,
tu tem cuidado com a garota que o malandro vai para trás da barraca com as
gaiatas que apanha a jeito; outro dia estava lá com uma e tivemos que os
desabelhar. Saí em pezinhos de algodão e quando voltei a
entrar a conversa versava assunto de
menos nervura.
Ao
serão, minha mãe no seu discurso de voz suave, que talvez não fosse assim tão
bom brincar com rapazes e se já alguma vez o Luís... e eu num descanso, brincávamos
muito, mas nunca lhe ouvira tal assunto; eu gostava dele e desinteressava-me
que fosse rapaz; era com quem brincava mais e me tratava melhor.
Não
menti.
Quanto às traseiras da barraca, cumpri o prometido: não olhar, evitar o
monturo e seguir cantando se precisava deixar o lixo. Jamais encontrei diferença
no montão de estrume. Entretanto, seguimos a vida que forcejava outros sentidos
e o que aconteceu cristalizou em lampejo
de natureza e época, natural como o surgir e desaparecer das flores e dos
frutos. Em trio e a duo, ainda vivemos anos de imperturbável brincadeira.
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