A
maioria dos provincianos como eu vai a Lisboa
e volta recheado de novidades. Ele são livros, modas, sapatos, carteiras,
lingerie... No comboio de regresso, contam-me as compras com pormenor e, num
resmalhar de sacos plásticos onde o braço se afunda em pescaria grossa, chegam
mesmo a exibi-las para apreço. Quedo-me embasbacada perante tanta maravilha
que não enxerguei. Nunca vejo pechinchas e bonitezas genuínas senão na mão da
outra gente, ainda que pare nas mesmas montras, atravesse as mesmas ruas, entre
nas mesmas lojas. Pode parecer-vos que
volto de mãos a abanar, mas não. Trago lembranças. Depois de apetecer padrões,
palpar os cabedais, avaliar rendas e etc, chega-me a vez de mostrar. E a minha vez sou eu.
Na minha vez entra o riso, o sorriso, a palermice encartada que idiotamente me
veste. Porque, na verdade, ainda não entendi se há coisas que só a mim acontecem, ou se acontecem a toda a gente e só eu as conto. Pois. Não sei. E nem agora isso tem
interesse.
Bom.
Hoje, por exemplo, fui à ginecologista, função que sofro mal e a que afecto um
premente desejo de fuga. Já mudei do masculino para o feminino, mas concluo que
o género do observador não me altera o sentir. I hate that. Há anos que não nos víamos - eu e a médica. Mas
nenhuma de nós é efusiva ou gosta particularmente da outra. Portanto, sentei-me
na sua frente a curtir a ansiedade e a antecipar, a seguir é que vai ser o
elas. Ou seja, a sofrer um bocadinho pouco. E ela à nora com a informática.
Aflita porque queria consultar-me e parece que o sistema me negava – o palerma
do sistema.
Quando finalmente o meu eu digital lhe chegou, mandou o meu ser físico e palpável aligeirar-se de roupas na sala de tortura e lá veio a enfermeira pôr o lençol – sempre me deixa um pouco mais confortável – e ajeitar as pernas. E fica uma pessoa naquele esterlaio. É que não sei como é que alguém se pode sentir à vontade em posição tão estrambólica e à espera que se acenda uma lâmpada que decerto nos desvela o interior mais interno e só não chega aos gorgomilos por haver carne emparedada de permeio.
Enfim. O mau, mesmo mau, é aquela goela de pato com bico e tudo a enfiar-se por uma pessoa dentro. Estava eu tentando controlar-me para evitar gritos quando oiço a médica, a senhora não tem útero. Já foi operada? E eu admiradíssima, as pernas a retesar nos suportes, não tenho?! Mas não fiz qualquer cirurgia para esses lados. E ela a espreitar e magoar-me ainda mais, não o vejo, não tem. E eu a empurrá-la na busca apesar daquele bico aberto cá dentro, há de andar por aí, penso eu - e numa réstea já dubitativa -. Só se entretanto o perdi, mas não dei por isso. Entretanto, a enfermeira aproximou-se e espreitou também (não há direito, fazerem isto a uma pessoa). Eu com vontade de mandar passear o pato, dar uma volta num lago qualquer, enfim, deixar-me em paz. E a médica a forcejar a goela aberta, tem que estar aqui então, mas não o encontro.
E depois de procurar com o que eu imagino fosse mesmo aquele bico rombo que só me doía, está aqui. Desculpe, está aqui, não o via.
Respirei.
E depois seguiu-se o de sempre: lamelas, palpações, requisição de exames... o diabo a sete. Num ápice, vesti-me e desapareci do consultório.
Quando finalmente o meu eu digital lhe chegou, mandou o meu ser físico e palpável aligeirar-se de roupas na sala de tortura e lá veio a enfermeira pôr o lençol – sempre me deixa um pouco mais confortável – e ajeitar as pernas. E fica uma pessoa naquele esterlaio. É que não sei como é que alguém se pode sentir à vontade em posição tão estrambólica e à espera que se acenda uma lâmpada que decerto nos desvela o interior mais interno e só não chega aos gorgomilos por haver carne emparedada de permeio.
Enfim. O mau, mesmo mau, é aquela goela de pato com bico e tudo a enfiar-se por uma pessoa dentro. Estava eu tentando controlar-me para evitar gritos quando oiço a médica, a senhora não tem útero. Já foi operada? E eu admiradíssima, as pernas a retesar nos suportes, não tenho?! Mas não fiz qualquer cirurgia para esses lados. E ela a espreitar e magoar-me ainda mais, não o vejo, não tem. E eu a empurrá-la na busca apesar daquele bico aberto cá dentro, há de andar por aí, penso eu - e numa réstea já dubitativa -. Só se entretanto o perdi, mas não dei por isso. Entretanto, a enfermeira aproximou-se e espreitou também (não há direito, fazerem isto a uma pessoa). Eu com vontade de mandar passear o pato, dar uma volta num lago qualquer, enfim, deixar-me em paz. E a médica a forcejar a goela aberta, tem que estar aqui então, mas não o encontro.
E depois de procurar com o que eu imagino fosse mesmo aquele bico rombo que só me doía, está aqui. Desculpe, está aqui, não o via.
Respirei.
E depois seguiu-se o de sempre: lamelas, palpações, requisição de exames... o diabo a sete. Num ápice, vesti-me e desapareci do consultório.
Para
que conste: estou de mal com o meu útero. Não me avisou, o fedelho. E deve estar mais
enfezado que as lonas de um pneu vazio. Nos automóveis, se temos um furo, é um chinfrim
desgraçado. Mas em nós tudo murcha sossegadamente. Nem um adeusinho, vou involuir, passe bem. Ora bolas.
Garanto,
se eu pudesse ou acaso soubesse como fazer, deixava-o cair no alcatrão. Havia
de passar um carro e atropelá-lo. Por causa das coisas.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPois tive de remover a pensar que era de todo removido e que ninguém dava por nada, pois só no final me dei conta que tinha o mail «profissional» aberto. E não se deve misturar o público com o privado!!! O que eu não sabia é que tu ficavas a saber que a Luísa Paula tinha deixado um comentário. Já não deu para abrir o outro mail e comentar a partir dele!!!
ResponderEliminarEste teu post fez-me rir e fez-me bem!!!
Não és apenas alguém que escreve, tu tens sensibilidade, ritmo,estilo. Estou a ler um livro da misteriosa (que já não é misteriosa, Elena Ferrante. Há alguma coisa no teu tom parecido com o dela. Naõ sei bem dizer, mas uma certa capacidade de emocionar, de comover, de modo distante. É um paradoxo, bem sei, mas foi o que me saiu. Bjs, querida Bea
Oh! Estás vendo? Era por isso que eu queria que cá viesses. Para rires. Porque te faz bem. E a mim acontecem-me estas parvidades a toda a hora.
ResponderEliminarO que eu gosto desta anónima!
Hummm...Elena Ferrante escreve bem, sabe muitíssimo mais que eu e etc e tal. Mas obrigada sempre.
Dorme bem, ouviste garota anónima? (ou leste)
Este post é absolutamente delicioso...
ResponderEliminarPor momentos vi-me a mim a ser atormentada pelo temível bico de pato!
Bondade sua, Su:).Beijinho
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