terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Parabéns

A minha mãe faz hoje 82 anos. Ainda era manhã quando colhi dois lírios e os rodeei  de frésias amarelas e roxas, perfume de campainhas  que teimou florir-me ao rés da porta. De seguida, entremeei algumas folhas verdes de espargo e cameleira silvestre e dispus tudo em ramo oloroso. E julgo que ficou ao nosso gosto meio campestre e algo canhestro, as flores ponta-acima, ponta-abaixo. Um bouquet a modos que alegre, orvalhado da chuva matinal, pingentes irisados e verticais a pendurar no brilho das pétalas.
 Cheguei de flores na mão e ela ali, a recebê-las feita rapariga a sorrir. Não com 39 anos. E muito menos com 80. Uma rapariga que se vê no profundo dos olhos que o é. Alindada num colarzinho barato e no pudico pregador a fechar a linha do decote. Tem no macio da face um sorriso de dentes pequenos e alinhados e pinta os olhos com ilusões. E fixou-me tal qual, na perenidade  imortal dos 20 anos. Podia ser minha filha. Serena e a reluzir confiança no futuro que lhe fugiu. Nunca discutimos. Para quê?! Tão curto é o tempo que nos junta que seria loucura consumi-lo a agastar-nos. Gostava de ter ficado mais um pouco na sua casa fria e clean, mas chamavam-me os compromissos de acolá e acoli. Mirei-a docemente, a convidá-la de cabeça. Mas ela, não filha, fico aqui no meu lugar, obrigada pela lembrança. E isto tudo sem desmanchar o sorriso de rapariga, sem se desviar um milímetro de ter vinte anos aos oitenta. Minha querida mãe! Então tratei de humedecer as flores e poisá-las ao rés do seu claro sorriso. Abracei-a e ela junto ao meu ouvido, a repetir, deixa-me chata, mas sem uma aragem de movimento, os seus ombros no nicho dos meus braços, tão frágeis e estreitos como sempre os conheci.  
E depois vim-me embora devagarinho a voltar-me para trás muita vez, ainda assim não me chamasse ou me quisesse para um recado qualquer.

            Porém, mal entrei no carro e me sentei, ela ali, de pendura, a puxar a saia abaixo do joelho e logo abotoando um botão de casa larga no casaco lavadiço, um tom de troça benfazeja, vamos filha, ainda temos de passar no super.

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