domingo, 9 de novembro de 2014

Diletâncias

As pessoas são todas iguais?!  São todas iguais o tanas. A primeira vez que frequentei a estância termal alojei-me no hotel das termas em cinco dias resumidos, que o bom tratamento tem custos. Desse tempo, guardo a distinta ideia de pessoas discretas, educadas e bem-falantes, inscritas em programas mistos de massagens de relaxamento e tratamentos específicos. Algumas crianças estavam com os avós enquanto os pais se passeavam pelo estrangeiro ou gozavam o seu tempo a dois. Eram famílias como toda a gente conhece, notava-se-lhes a naturalidade dos laços, os garotos portavam-se normalmente à mesa e obedeciam aos avós, julgo que por amor e respeito; lembro-me de uma garotinha que sempre vi de mão dada com o avô pelos jardins e ruelas, naqueles pulinhos felizes que só as crianças sabem. O hotel tem várias salas e recantos onde nos juntávamos por vezes. Falava-se baixo e pouco. Não tenho memória de apartes intimistas, relatos de doenças ou coscuvilhice, as relações entre os hóspedes pautavam-se pela discrição. Parecia haver um acordo tácito, estavam para esquecer o ano de trabalho e melhorar a saúde sem aflições desnecessárias. No ar, um meio espírito de festa que o hotel instigava a partir de novidades elegantes, repartidas por passeios e refeições. É verdade que ninguém me pareceu seriamente doente, mas dir-se-ia que esse era um domínio privado e que o hotel cumpria sobretudo o papel de uma estância de férias.
E este ano voltei. Para a mesma estância e noutro hotel. Mas não é o espaço que me confrange. É o espírito das pessoas. Não que tenham propósitos diversos. Vêm também para retemperar forças enquanto se tratam. E não é porque o salão é menos acolhedor que fugimos de estar. São pessoas que tudo contam e tudo perguntam. Que não supõem nem por um momento que são indiscretas ou aborrecidas. Os temas de conversa são as casas e os naperons e as toalhas de bainhas abertas que aprendem na universidade senior que parece ser a coisa melhor do mundo. Depois, enfileiram sem aviso pela moradia ou andar que possuem e passam tudo que lhes merece consideração a pente fino, contam o desenho da sala, os tapetes e candeeiros e descambam para as peles e cabedais que vestem. E tudo isto com preços, lugares, lojas e considerações infindas de amizades em todo o lugar. Em seguida, tomam balanço e descrevem o roteiro das viagens: conhecem Portugal de lés-a-lés e passearam mundo fora. Meus deuses! Não há um extâse, um enlevo a prendê-las, não se lhes para o pensamento numa recordação de beleza. Correm países no afã de marcar uma cruz, este já está; gabam restaurantes, pratos típicos e não há uma referência a um arco, uma rua, um museu, uma paisagem, um palácio, salvo para o mortífero, também lá estive. Lêem livros em fotocópia, que publicitam e emprestam, sobre os benefícios do vinagre e as técnicas brasileiras para melhorar a saúde. E massacram os interlocutores com doenças exaustivas e tantas que nem se sabe como ainda continuam vivas. Se por educação ainda resistimos calados, há as perguntas de filhos e marido e lugares e profissão e tudo que lhes importa ou passa a importar no momento, não se sabe para quê.

Eis uma doença portuguesa: provincianismo exacerbado. E, depois de tanto parafuso fora de sítio, pergunta-se a gente se isto terá remédio.

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