Hoje,
uma revista de bom papel e má qualidade foi taxativa no signo: “o rosa torna-la-á
mais bondosa e amável”. Devastei! Como não tenho nada rosa - não é cor que sobre
para saldo -, vou continuar igual. Penso, será que a minha bolsa rosa choc
serve?! Agora preocupei com isto de uma cor conferir qualidades, como é que
nunca tinha colocado a mim mesma esta hipótese. Ó Pá…eu podia neste momento ser
um poço de qualidades. Sem fundo. E não. Que coisa! Qual aperfeiçoamento, qual
quê. Cores e pronto. Já está!
Bom,
mas esta é a história de um amor marítimo e não dos atrofios de uma revista que
– juro que não li o nome de quem ali trabalha – se destina a ser lida por
mulheres de outro sector. Aquelas que eu duvido sempre que existam – acho que
são inventadas e não respiram, nem lavam loiça, nem passam a ferro, nem fazem
contas para esticar o ordenado para as coisas essenciais. Sim, que as mulheres
normais, hoje, não se podem dar ao luxo do supérfluo, suas dondocas (se é que
existem). Bolas, já escrevi mais um parágrafo à conta da bodega da revista (e
não, não a comprei)
Ora, o meu amor à maresia foi nascendo.
Aconteceu-me o que acontece num campo agrícola: há a semente, a rega o adubo; das
sementes vão brotar plantas que se deixam crescer e amadurar e só depois se
colhem no vagar do tempo certo. E a nossa relação aquífera muito deve à minha
amiga de juventude. Ela, que hoje quase não o frequenta, tinha-o na mira e
sempre tratou da vida por objectivos. Pragmática. O que é tão bom como mau. Na
altura, eu detinha profunda admiração pelo seu pragmatismo, fortemente direcionado
para a nossa diversão. Foi, pois, um amor que me chegou por interposta pessoa.
A
primeira coisa que ela decidiu foi que tínhamos de comprar uma tenda para
podermos acampar na praia, expressão contraditória em si mesma. Era bem mais espevitada que eu e falava de
adormecer a ouvir as ondas como se fora o jardim das delícias no Éden. Eu ignorante,
e como fazemos, pedimos uma aos ciganos? Na minha cabeça as tendas eram dos
ciganos ou do circo e as do circo pareciam-me altamente improváveis pela
enormidade do tamanho; além disso tinham aqueles baloiços dos equilibristas que
deviam dar pesadelos, pendurados lá tão em cima. Porém, as tendas dos ciganos
eram sujas de não se lhes saber a cor e deviam cheirar mal. Ora não sou em nada
esquisita salvo com maus cheiros. Como diz o meu pai, “toloro” tudo menos
cheiros de sujidade; os alentejanos são isto, comem carne de porco mas não “toloram”
porcaria. Estava eu achando que a empreitada era maior que nós, quando ela a
rir, não é nada disso, compramos uma tenda cada uma. Eu com as minhas
admirações parvas, compram-se?! Onde? Ainda nunca vi nenhuma (grande coisa,
ainda hoje que já estou quase à morte vi pouco, que faria naquela altura). Ela
paciente, olha, se tu quiseres, no sábado vamos as duas com o meu amigo ver
umas a Lisboa; já andei a ver algumas e são bem bonitinhas. Mas levamos o meu
amigo para nos aconselhar, ele deve saber melhor que nós. E eu a estranhar, mas
ele não tem só quinze anos? Ela indiscutível,tem, mas os rapazes sabem dessas
coisas; além disso ele é amigo de um cigano, tem prática de tendas.
Apresentados em pano cru à minha ignorância, tais argumentos convenceram-me.
Marcámos o sábado e lá fomos os três para um armazém que o fogo do Chiado havia
de levar. Achei o máximo haver tendas. Palavra! Vim tão entusiasmada que fui
logo ver onde poderia poupar mensalmente para comprar uma no princípio do Verão
e ainda a experimentarmos antes. Foi uma tarde muito produtiva. O amigo da
minha amiga tornou-se de imediato meu amigo e andou também ele muito
entusiasmado por ter quinze anos e estar a dar conselhos a duas brasas na casa
dos vinte. Esclareço que a nossa trempe também era sui géneris, ele era muito
alto e magrinho – o meu pai achava-o parecido com uma louva-a-deus, epíteto que
muito me ofendia –, a minha amiga bastante bonita, alta e gorda e eu baixa, muito
magra e mal encarada, com um cabelão rebelde que quase me engolia, mas me
servia de muro protector. Um espanto. Mas passámos a andar todos como corda e caldeiro
e aquela velha sabedoria grega de que o triângulo não sei quê e que o número
três em grupos não deve…faliu. Ele, um mosqueteiro autêntico. Enquanto eu
olhava para as cores do sobretecto e do interior a minha amiga via coisas como
quantas pessoas caberiam, onde colocávamos os sacos cama. O nosso amigo –
passou a ser “nosso” logo que se interessou pelas espias cujas eu olhei com
muita atenção a tentar comparar com a Mata Hari, mas nada – interessava-se pela
facilidade ou dificuldade da montagem, que, está visto, o acto de levantar a
casa era com ele; pela fortaleza das lonas e dos suportes, pelo peso das
tendas, tínhamos que as carregar em braços até ao lugar onde acampássemos e
outros pormenores que a mim jamais ocorreriam. Claro que tudo nos levava para
tendas simples e só de uma divisão. Escolhemos duas iguais com o interior em
laranja e o sobretecto azul. Lindas, lindas, lindas. O nosso medo maior era que
as vendessem antes de conseguirmos juntar o dinheiro. Já não me lembro bem, mas
é possível que a minha amiga me tenha adiantado algum para a compra. Porque a
febre era intensa e a carteira dela mais espaçosa. No dia em que fomos os três buscá-las eu vinha tão contente que só pensava que tinha de estreá-la com os meus
irmãos a quem contara da novidade e que estavam empolgados a mais não poder. Entretanto
já levara a minha amiga a casa várias vezes e ela gostava dos meus irmãos
(graças a deus, graças a deus). Ia tudo correr bem.
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