quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Para Lá do Mar

Hoje, uma revista de bom papel e má qualidade foi taxativa no signo: “o rosa torna-la-á mais bondosa e amável”. Devastei! Como não tenho nada rosa - não é cor que sobre para saldo -, vou continuar igual. Penso, será que a minha bolsa rosa choc serve?! Agora preocupei com isto de uma cor conferir qualidades, como é que nunca tinha colocado a mim mesma esta hipótese. Ó Pá…eu podia neste momento ser um poço de qualidades. Sem fundo. E não. Que coisa! Qual aperfeiçoamento, qual quê. Cores e pronto. Já está!
Bom, mas esta é a história de um amor marítimo e não dos atrofios de uma revista que – juro que não li o nome de quem ali trabalha – se destina a ser lida por mulheres de outro sector. Aquelas que eu duvido sempre que existam – acho que são inventadas e não respiram, nem lavam loiça, nem passam a ferro, nem fazem contas para esticar o ordenado para as coisas essenciais. Sim, que as mulheres normais, hoje, não se podem dar ao luxo do supérfluo, suas dondocas (se é que existem). Bolas, já escrevi mais um parágrafo à conta da bodega da revista (e não, não a comprei)
 Ora, o meu amor à maresia foi nascendo. Aconteceu-me o que acontece num campo agrícola: há a semente, a rega o adubo; das sementes vão brotar plantas que se deixam crescer e amadurar e só depois se colhem no vagar do tempo certo. E a nossa relação aquífera muito deve à minha amiga de juventude. Ela, que hoje quase não o frequenta, tinha-o na mira e sempre tratou da vida por objectivos. Pragmática. O que é tão bom como mau. Na altura, eu detinha profunda admiração pelo seu pragmatismo, fortemente direcionado para a nossa diversão. Foi, pois, um amor que me chegou por interposta pessoa.

A primeira coisa que ela decidiu foi que tínhamos de comprar uma tenda para podermos acampar na praia, expressão contraditória em si mesma.  Era bem mais espevitada que eu e falava de adormecer a ouvir as ondas como se fora o jardim das delícias no Éden. Eu ignorante, e como fazemos, pedimos uma aos ciganos? Na minha cabeça as tendas eram dos ciganos ou do circo e as do circo pareciam-me altamente improváveis pela enormidade do tamanho; além disso tinham aqueles baloiços dos equilibristas que deviam dar pesadelos, pendurados lá tão em cima. Porém, as tendas dos ciganos eram sujas de não se lhes saber a cor e deviam cheirar mal. Ora não sou em nada esquisita salvo com maus cheiros. Como diz o meu pai, “toloro” tudo menos cheiros de sujidade; os alentejanos são isto, comem carne de porco mas não “toloram” porcaria. Estava eu achando que a empreitada era maior que nós, quando ela a rir, não é nada disso, compramos uma tenda cada uma. Eu com as minhas admirações parvas, compram-se?! Onde? Ainda nunca vi nenhuma (grande coisa, ainda hoje que já estou quase à morte vi pouco, que faria naquela altura). Ela paciente, olha, se tu quiseres, no sábado vamos as duas com o meu amigo ver umas a Lisboa; já andei a ver algumas e são bem bonitinhas. Mas levamos o meu amigo para nos aconselhar, ele deve saber melhor que nós. E eu a estranhar, mas ele não tem só quinze anos? Ela indiscutível,tem, mas os rapazes sabem dessas coisas; além disso ele é amigo de um cigano, tem prática de tendas. Apresentados em pano cru à minha ignorância, tais argumentos convenceram-me. Marcámos o sábado e lá fomos os três para um armazém que o fogo do Chiado havia de levar. Achei o máximo haver tendas. Palavra! Vim tão entusiasmada que fui logo ver onde poderia poupar mensalmente para comprar uma no princípio do Verão e ainda a experimentarmos antes. Foi uma tarde muito produtiva. O amigo da minha amiga tornou-se de imediato meu amigo e andou também ele muito entusiasmado por ter quinze anos e estar a dar conselhos a duas brasas na casa dos vinte. Esclareço que a nossa trempe também era sui géneris, ele era muito alto e magrinho – o meu pai achava-o parecido com uma louva-a-deus, epíteto que muito me ofendia –, a minha amiga bastante bonita, alta e gorda e eu baixa, muito magra e mal encarada, com um cabelão rebelde que quase me engolia, mas me servia de muro protector. Um espanto. Mas passámos a andar todos como corda e caldeiro e aquela velha sabedoria grega de que o triângulo não sei quê e que o número três em grupos não deve…faliu. Ele, um mosqueteiro autêntico. Enquanto eu olhava para as cores do sobretecto e do interior a minha amiga via coisas como quantas pessoas caberiam, onde colocávamos os sacos cama. O nosso amigo – passou a ser “nosso” logo que se interessou pelas espias cujas eu olhei com muita atenção a tentar comparar com a Mata Hari, mas nada – interessava-se pela facilidade ou dificuldade da montagem, que, está visto, o acto de levantar a casa era com ele; pela fortaleza das lonas e dos suportes, pelo peso das tendas, tínhamos que as carregar em braços até ao lugar onde acampássemos e outros pormenores que a mim jamais ocorreriam. Claro que tudo nos levava para tendas simples e só de uma divisão. Escolhemos duas iguais com o interior em laranja e o sobretecto azul. Lindas, lindas, lindas. O nosso medo maior era que as vendessem antes de conseguirmos juntar o dinheiro. Já não me lembro bem, mas é possível que a minha amiga me tenha adiantado algum para a compra. Porque a febre era intensa e a carteira dela mais espaçosa. No dia em que fomos os três buscá-las  eu vinha tão contente que só pensava que tinha de estreá-la com os meus irmãos a quem contara da novidade e que estavam empolgados a mais não poder. Entretanto já levara a minha amiga a casa várias vezes e ela gostava dos meus irmãos (graças a deus, graças a deus). Ia tudo correr bem.

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