Por
razões que não interessam à história, o meu primeiro emprego não oficioso
aconteceu num lugar marítimo a borbulhar de gente, com praias de renome. Tudo
diferente dos meus hábitos campestres e sonhos pequenos. Se saía à rua, vogava
a apreciar os passantes e, por comparação, a sentir-me marciana. Tinha vinte
anos e era o tempo da confiança. Portugal abria as portas e saia para a rua mal
acreditando que a ditadura passara. Não me lembro de rostos tão contentes, nem
de ouvir piropos tão bonitos, atravessados de uma fraternidade que esfumou. No
primeiro de Maio de setenta e cinco fui abraçada por desconhecidos, chamada
para entrar em casas pequenas de mesa posta, cantei com grupos de rua que
terminavam aos abraços e palmadas nas costas.
Contudo,
não fora uma amizade que enraizou e floresceu, não arriscaria um passo até à
água de que, aliás, desconhecia caminhos. A essa amiga de tanto ano, corpo e
alma de curiosidade indómita, devo as primeiras incursões sem tutela, por entre
os baixios que a vida teima em semear. Acompanhámo-nos respeitando diferenças
estruturais. Ela entendendo a limitação dos meus possíveis e salvaguardando-nos
algumas descobertas como dupla. Encontrou sempre novas amizades – que não
beliscavam a nossa – para voos conjuntos do que me era vedado. Alegravam-me as
suas incursões estrangeiras, as passagens de ano exóticas, os dias no Algarve
em grupos pequenos e jovens. Dava-me prazer ver-lhe as fotos, acompanhá-la no
fazer das malas que nas mulheres mete sempre compras e roupa nova, saber após os
passeios como eram as suas novas amizades, o que mais a divertira, refeições
típicas e outras mesquinhices. Paciente, relatava-me com fidelidade e bom humor
tudo que fosse contável.
Portanto,
só voltámos a ver-nos – eu e o mar - nos meus vinte anos. Em contramão. Um encontro
proibido. O médico a olhar-me sério, nada de praia, ouviu? E a minha amiga
recente, não vais fazer férias na praia, só respiras aquele ar umas horas, três
ou quatro, vá, o médico é parvo, não faças caso. Eu indecisa na doença, achas?
E ela, ó pá não te faz mal, pensas que os médicos sabem tudo?- e sem transição
- Vamos comprar um fato de banho para ti
e umas barbatanas para mim. Ancorei de boamente naquela decisão a antever azul
sem fim e sol quente. Corremos várias lojas e desaparecia nos fatos de banho.
Ela expedita, por que é que não compras antes um biquíni, tem tamanhos mais
pequenos…Saímos com um castíssimo biquíni castanho escuro. Eu a duvidar de
tanta pele à vista, não achas escandaloso? Ela a varrer-me a castidade num
ápice, tás parva ou quê, é do mais tapadinho que há. Depois, numa olhadela
satisfeita ao negro das barbatanas que espreitava no saco, vamos apanhar o
comboio e marcar o nosso primeiro dia de praia durante a viagem.
(Cont.)
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