sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Um Agosto em Itália

Lago di Tenno

            A meio da tarde, abandonámos Varone e rumámos ao Lago di Tenno. Alentejana retinta e tão leiga em cascatas como em lagos, iniciei a descida ainda imersa no encanto terrível da cascata. Descia sem curiosidade, a imaginação acorrentada ao estrépito da água a precipitar.
 Certa vez, li um livro sobre as religiões e sua génese, suponho que de Mircea Eliade, e ficou-me a expressão “o sagrado irrompe no quotidiano instaurando um tempo novo”. Terá sido o que me aconteceu com o lago di Tenno. Quando se me plantou na frente aquele azul turquesa orlado de pequenos seixos brancos, parecia-me sonho divino e impróprio de mim enquanto ser vivente. Sonho igual ao do poeta que cantava, “ sabe-me a sonho estar aqui, de olhos fechados pensando em ti”. Mas os olhos estavam abertos e o meu imaginário não seria capaz de sonhar tão nítida e preclara visão; havia, inclusive, pessoas a nadar naquela beleza toda e era inegável o verde da montanha a ampará-la no repouso da tarde que descaía a amarelar. E eu ensimesmada, extasiando no inesperado, pés colados à vereda, as pessoas atrás, “permisso”. E eu de estátua desengraçada. Então, subiu-me a gratidão concêntrica dos momentos em que, claramente e a desmodo, nos sentimos eleitos por um deus. É nestes momentos de gaguez da alma que me vêm à mente expressões litúrgicas e humílimas, como “eu não sou digna…” (por certo, indigna, que toda escorro reconhecimento). Depois, abre-se-me aquela vocação de esponja que parcamente me visita. E absorvo. Inspiro. Ingiro. Creio mesmo que o termo seja, deleito-me. Assim uma coisa doce que sobe de uma ponta a outra e não chora nem ri, mas compraz activamente e desactiva a urgência. Um bíblico “façamos aqui três tendas, uma para ti, outra para nós e outra para Elias”.
E o resto não me lembro, mas devo ter andado por lá que tenho fotos. Desimportâncias.
Não cheguei perto da água. Não lhe pus mão ou pé. Mas tenho certeza que nitidamente nos encontrámos fora de horas e minutos, na orla de espuma das ondas que nem havia. À sombra verde dos ciprestes.

Subimos a recuperar-nos poro a poro, que um lago destes dissolve até à rebeldia das entranhas  (pronto, também íamos cansados). Perto do carro, saída de algum lugar, uma vozinha pequena em tamanho e idade, J’ai soif, je veux de l’eau. Olhámos e a queixinha mimada vinha de um rabo-de-cavalo em canudinhos, umas perninhas de nada a arrastar uns croc pelo pó do parque de estacionamento. O pai em voz suave e ilusória, cherche; voys-tu de l’eau? E ela em sua vozinha malograda, observando os dois lados da estrada e arrastando sílabas tristes, non, je vois pas. E lá continuou procurando, a cabecita a um lado e a outro, enquanto iam os dois ao seu destino.  

2 comentários:

  1. Tanta água, e não há água... As fotos??? Quero ver... Depois destas fabulásticas descrições, apesar de tudo, gostava de ver as ditas. :)

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  2. sim, podes vê-las quando queiras, doce avozinha

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