Cumprindo
roteiros de gosto, certa manhã de sol rumámos a San Marino, o estado mais
antigo do mundo, informação à incipiência da minha geografia paleolítica. De
caminho, namorámos Sant’Apollinare in Classe, basílica situada, como o nome
sugere, em Classe (lê-se de e aberto), uma povoação a cinco quilómetros de Ravena. O templo é
dedicado ao santo que lhe deu nome e se passeia pusilânime e cordato na ábside
central pastoreando ovelhitas num mosaico de verdes que debruam verdes, uma
paisagem naif, em infantil desenho,
árvores e arbustos cândidos, todos de igual tamanho, semeados pelo semicírculo
da abóbada, as ovelhas bordejando a cena, em doçura. E é assim que damos por
nós a invejar pastoreio e serranias
ventosas batidas de sol, nos imaginamos cabelo ao vento e cajado na mão subindo
montes pedregosos em esforço, com aqueles novelinhos de lã atrás, mééé…méééé…seguindo-nos
a musiquinha simples da flauta, um ou dois cães em rebuliço a encaminhar o
rebanho – Sant’Apollinare não tem flauta
mas devia. Entretanto, tive de guardar no bolso o sonho profissional e o cabelo a
esvoaçar que a abside toda desmente, assim transformada em campo de
concórdia e pacificação. Aquelas ovelhas são branquinhas, não têm carramiços de
pauzinhos e plantas aqui e ali a empastar a lã malcheirosa (o cheiro a ovelhum é
péssimo), não deixam caganitas por onde passam – o chão é todo verdinho claro -
e os olhos são potes de mel a escorrer;
ora, toda a gente sabe que as ovelhas são animais sem tacto nenhum, que só não
têm um olhar bovino por serem ovinos. E portanto. Já se percebeu que Sant’Apollinare
in Classe nos sofreu o efeito de olhos habituados à contemplação de belos
templos. Peço-te humildemente desculpa, Apollinare, mas o humano pensamento é
assim, foge, foge, foge. Mas reconheço, estás lindo e digno, ergues-te a meio
da abside sem subterfúgios e ocas vaidades. Podes crer. Fica descansado com a imagem.
Do
dito, não se infira que a beleza da basílica, que data do século VI, seja menor. Todavia, apreciado San
Vitale, todo o seguinte nos pareceu de valor encolhido. Em Classe, os olhos prendem-se na extensa nave
principal, o tecto suportado por vigas de madeira que se cruzam com arte, a puxar por entusiasmos viajantes.
Uma
característica de Itália é o facto das suas torres de igreja estarem quase
todas inclinadas. E também a de Sant’Apollinare in Classe. Curiosamente, fala-se
em inclinação e logo nos surge a torre de Pisa, mas ela é apenas “a de maior
inclinação”. Que todas as outras, desde que bem antigas, pendem e pendem; os
olhos desconfiados da paisagem, na interrogação originária, a torre está torta
ou vejo mal. E depois, rodámos até San
Marino.
San Marino é uma aldeia medieval
toda metida em verduras e densidade de arbustos, elevada a umas boas centenas
de metros. E o panorama que se avista do castelo é lindo. E verde. Com mar ao
longe. Mas quanta gente encontrámos por lá. Quantas pessoas flanavam como nós,
num calor de torrar, suando as estopinhas, descendo e subindo ruazinhas que
compõem o centro e levam ao castelo e suas torres, uma pena no cimo de cada uma
(não lhes conheço sentido, mas estão lá). E muitas, muitas lojas a comerciar. A
vender. Tudo. Do típico ao atípico. Numa ciganice assaz italiana (usam idêntica
técnica de engodo), isenta de impostos mas também sem benefício de promoções e
preços baixos. Fartei-me desse lugar superlotado, muito dado a carteiras
poderosas. O excesso de gente come-me o gosto, esfarripa-o como galinha a folha
de couve. Ponderando: a haver um terço das pessoas, eu teria encontrado beleza
a esmo, que estive um nico de tempo a descansar numa ruela e logo me apaixonei
pela parede de hera que me ficava em frenteJ
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