sábado, 5 de setembro de 2015

Um Agosto em Itália

Salò


Foi a primeira pulsação do Garda com montanha, um princípio de alpes italianos. Talvez por isso, Salò condensou-nos em encanto originário. Depois do desenho a sépia, que é como quem diz, das fotos que conseguimos da outra margem, rumámos à cidade e palmilhámos a beira lago sobre o passadiço. Aquela cidade tem espírito. Afastada das multidões de Sirmione, engrandece em paisagem o que perde em gente. E dá vontade de nela morar  (fez-me esquecer que rios e lagos não me fazem o jeito); ficar ali, à guarda da montanha e seus ciprestes em fuso. Talvez que nela o inverno mais bonito, a neve pintando cumes e a imobilidade grisalha de ciprestes a prumo, guarda pretoriana das casas. Depois dos turistas, a respiração compassada da cidade que a si mesma se devolve. Que nos é vedada. Habitamos a superfície do seu ser mundano e debutante,  a baba que que transborda. Porém, infinitamente mais bonito há-de ser o mundo interior e invernoso de Salò: o vento agreste a cortar na pele e prestes mãos enluvadas escondendo o rosto nos abafos, saudando aqui e ali, uma nuvem de fumo a condensar a respiração, pernas que se afobam. Ou o sol doente a dourá-la em sua luz amarela, velhos pela beira do lago como cogumelos, o sangue ressuscitando do bolor de dias pardos, uma vontade verde de fazer coisas. De ser. De afirmar ao mundo, existo. 

Toda a humanidade mora em Salò. Tem a vida diária que assiste o virar das estações sem muito pensar e carrega trabalho, compras, garotos, preocupações e amores, sonhos e alegrias, desânimos profundos. E aquilo que vai acontecendo devagar, parece súbito: o saco de compras muda em carrinho puxado aos esses pelas ruas, a agilidade de passos leves desfalece e quase se perde da sua natureza. E a ausência da necessidade do eu nos outros, tempera o resíduo. Aos poucos se vai a voz. Restam as mãos sem dádiva e o coração quase sem eco. A velhice sentou-se para ficar. 
No entanto, a paisagem pouco difere. E renova a cada estação. 

Sem comentários:

Enviar um comentário