Foi
a primeira pulsação do Garda com montanha, um princípio de alpes italianos.
Talvez por isso, Salò condensou-nos em encanto originário. Depois do desenho a
sépia, que é como quem diz, das fotos que conseguimos da outra margem, rumámos
à cidade e palmilhámos a beira lago sobre o passadiço. Aquela cidade tem
espírito. Afastada das multidões de Sirmione, engrandece em paisagem o que
perde em gente. E dá vontade de nela morar
(fez-me esquecer que rios e lagos não me fazem o jeito); ficar ali, à
guarda da montanha e seus ciprestes em fuso. Talvez que nela o inverno mais
bonito, a neve pintando cumes e a imobilidade grisalha de ciprestes a prumo,
guarda pretoriana das casas. Depois dos turistas, a respiração compassada da
cidade que a si mesma se devolve. Que nos é vedada. Habitamos a superfície do
seu ser mundano e debutante, a baba que
que transborda. Porém, infinitamente mais bonito há-de ser o mundo interior e
invernoso de Salò: o vento agreste a cortar na pele e prestes mãos enluvadas
escondendo o rosto nos abafos, saudando aqui e ali, uma nuvem de fumo a
condensar a respiração, pernas que se afobam. Ou o sol doente a dourá-la em sua
luz amarela, velhos pela beira do lago como cogumelos, o sangue ressuscitando
do bolor de dias pardos, uma vontade verde de fazer coisas. De ser. De afirmar
ao mundo, existo.
Toda
a humanidade mora em Salò. Tem a vida diária que assiste o virar das estações
sem muito pensar e carrega trabalho, compras, garotos, preocupações e amores, sonhos
e alegrias, desânimos profundos. E aquilo que vai acontecendo devagar, parece
súbito: o saco de compras muda em carrinho puxado aos esses pelas ruas, a
agilidade de passos leves desfalece e quase se perde da sua natureza. E a
ausência da necessidade do eu nos outros, tempera o resíduo. Aos poucos se vai
a voz. Restam as mãos sem dádiva e o coração quase sem eco. A velhice sentou-se
para ficar.
No
entanto, a paisagem pouco difere. E renova a cada estação.
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