segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um Agosto em Itália

Verona

      Certa manhã, vestimos alma de principiante e seguimos para Verona. Eu, a misturar-me na verdura dos caminhos, imaginava romantismos rendados na arquitectura da cidade e um nunca acabar de beleza ignota. Ainda nos adaptávamos à urbe e já o coliseu se plantava aos olhos densamente, opado da sua monumentalidade histórica. Havia uma fila extensa e soalheira de turistas em demanda de bilhetes e rumámos a engrossá-la; o exterior prometia. Crentes convictos, atalhámos pela aparência. Porém, mal acessámos a arena, violentou-nos o olhar a crueza daquele redondo transformado em anfiteatro de espectáculos ao ar livre. Um desânimo encalorado escorria dos rostos e perdia-se em regueiras pelo metal preenchido de cadeiras que  recobria as pedras seculares. Elas lá debaixo, voz abafada pela proximidade metálica, espreitem, aqui correu o sangue dos escravos cristãos; vejam, os santos mártires pisaram-nos; reparem estas mossas feitas pelas armaduras de quantos gladiadores nos pisaram em glória e martírio; estamos repletas de morte e glória ganha por terror dela, de lutas desiguais entre homens e feras esfaimadas, de cuspo e ranho e fezes; de suores frios que pingavam à vista de certezas terríveis. Recobre-nos uma pátina de asco aos imperadores viciosos e à desfaçatez da sua corte adoecida de invejas e podridão; às mulheres malévolas que terçavam suas armas nos bastidores do poder. E agora riscaram-nos da face do sol; impediram-nos de contar o irrazoável: a angústia, os medos, a fúria dos homens frente à morte e ao arbítrio. Recusa-se a lição das pedras. 
        E ouvi-as supirar. Distintamente as escutei. Dubitativa, espreitei-as por entre as fissuras dos degraus postiços, aquele arrazoado bem podia ser alucinação de sol. E amuaram, sorumbáticas. Vexadas. Esperei mais um pouco. Então,  empedraram a  ignorar-me. Desci dois lances e observei no centro um palco repleto de engenharia electrónica. Meio desenquadrado, feito bobo da corte, zombava de nós por ofício e condição. E depois havia aquele ressoar  tragi-cómico, incómodo, dos pés no alumínio. E o calor a torrar os óbvios incautos. Ou também a rir do ludíbrio. Olhei o exterior avaliando quantos transeuntes seriam veroneses, decerto a mofarem da nossa ingenuidade. Mas não os destrincei da outra gente e regressei a abrigar-me do sol na escadaria que levava ao recinto. E por ali fiquei descansando em companhia do leque e  de mais uns tantos tansos que desanimavam sudoríparos silêncios. Por via destes sintomas, indispus-me com Verona. E mais com Julieta que nunca existiu senão na cabeça de Shakespeare e a quem construíram uma tal varanda para dar substância ao conto e à crença Por pirraça, nem de soslaio a reparei  quando seguíamos em demanda da Piazza Erbe.

            À semelhança de outras rotas turísticas, Verona vende tudo. Tem montras novas e velhas, montras de charme e refinado gosto, montras antigas e de valor, lojas chinesas muito semelhantes às que existem em Portugal. E há os costureiros e as marcas com seus ademanes singulares, a tentar o público feminino. Na Piazza Erbe, comi um primeiro calzone. E fiquei fã. Teria imenso apetite?! Sentadinha numa escadaria qualquer – alguma igreja por certo -, o calzone e a limonada souberam-me a ambrósia e néctar. Compensaram-me da empáfia dessubstanciada do coliseu.

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